Apesar de não gostar da leitura de textos oriundos do mundo corporativo, encontrei um (finalmente!) que me pareceu interessante.
O tema era sobre as relações empregados
versus empresas nos dias que correm. O autor é um filósofo e professor pelo qual tenho uma boa dose de consideração.
Ele discute a questão de a lealdade do empregado para com a empresa ser um ponto superado no mundo corporativo de hoje.
Simplificando um tanto seu argumento, ele coloca a seguinte questão: se a empresa, por qualquer motivo, pode, de uma hora para outra, dar o bilhete azul para seus funcionários, por que estes deveriam ser leais a ela no caso de uma concorrente lhes oferecer salários maiores ? Ora, se a força de trabalho hoje pode ser tranqüilamente dispensada ou adquirida como uma
commodity qualquer, porque o funcionário tem que se manter preso a códigos de valores morais pré-transformações do mundo do trabalho ?
Não é ético entrar em uma empresa ficar pouco tempo e sair para trabalhar em um concorrente que paga mais ou lhe oferece melhores condições de trabalho ? E não é falta de ética a empresa mandar embora funcionários que lhe serviram por anos só porque ficaram velhos ou porque está "realinhando suas estratégias e objetivos" ?
Deve o trabalhador ficar em uma empresa que não lhe oferece reconhecimento, treinamento e uma finalidade para o que faz ? Eu creio que não. Se o trabalhador não for um pobre de espírito que só pensa em din-dim, ele concluirá em algum momento que não está valendo a pena.
Não devemos esquecer o óbvio ululante, as empresas exercem suas atividades para terem lucro, isto é, vivem sob a lógica do mercado. Quando o funcionário não serve mais, não é mais útil, rua com ele!
Alguém na empresa pode até ter um pouco mais de consideração (só um pouco mais) se o funcionário é antigo e passou anos dando o sangue pela instituição, mas, mesmo neste caso, se o cara não se "recuperar" logo, vai pra rua e ponto!
Então qual o problema do empregado utilizar a lógica do mercado ? Se o concorrente me paga melhor e me oferece melhores condições, Adeus!
Não se trata mais de colocar a empresa ou o trabalho no centro de nossas vidas, mas a si mesmo.
O tempo em que se sacrificava tempo, família e prazeres para nos colocarmos à disposição da empresa já passou. Não é o caso de ser displicente ou hedonista, mas sim de nos colocarmos no centro de uma relação profissional de maneira a avaliarmos o que desejamos para nós e que custos estamos dispostos a incorrer para progredirmos profissionalmente.
O trabalho tem que ser fonte de realização. Ele tem nos humanizar, nos tornar melhores. Caso contrário, é um castigo cotidiano, independente do salário que se obtenha.
Isto faz muito sentido hoje, quando a trajetória profissional é vista como um problema do trabalhador, do indivíduo. Então falar do trabalho como um compromisso com a sociedade ou como um dever moral tornou-se balela!
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A questão é que já não se trata da obrigação moral abstrata de trabalhar "com todo zelo", mas do desejo pessoal de ter êxito naquilo que cada um se propõe a fazer, como também em cultivar a ufania e o senso de responsabilidade em seu trabalho, saber progredir, encontar um significado naquilo que se realiza."(LIPOVETSKY, 2005)
As características laborais de um modelo altamente hierarquizado e burocrático acaba por alienar e isolar o trabalhador em seu lugar de trabalho. Ele não sabe o que está fazendo e nem o porquê esta fazendo. Ele só cumpre ordens. Como pedir a ele, então, que se importe com o resultado do que faz ? Seria pedir-lhe muito.
"Quanto mais alto a religião do trabalho proclamou suas determinações, menos a produção se organizou em torno dos princípios de iniciativa, de responsabilidade, de engajamento voluntário dos homens"(IDEM).
O que mais encontramos, contudo, no mundo corporativo de hoje ? Estruturas voltadas para a manutenção dos níveis hierárquicos e os interesses de poucos.
Em um cenário assim, o que importa a formação ou a capacitação do empregado ? Muito pouco na verdade. A empresa pode até ter um discurso que valoriza o aprimoramento, mas a grande maioria delas não o premia.
Sim, há muito de esquizofrenia nos ambientes corporativos. Diz-se uma coisa, faz-se outra na prática.
O catecismo laboral é coisa do passado, de uma época em que a gestão se preocupava com controle. Tempo em que ela trabalhava em favor de uma estrutural piramidal de empresa. Hoje, este código é tão fora de contexto quanto o apelo a nacionalismos e à moral religiosa.
Se o trabalho entra em choque com o humanismo inerente a cada um de nós ( a vontade de ser autônomo, de ter um significado em sua atividade que premia e respeita a sua subjetividade), então ele pouco vale. Não há porque pedir que o trabalhor com ele se identifique.
CORTELLA, Mário Sérgio.
Lealdade coma empresa ? Revista N Respostas. Ano V, nº 24, outubro/novembro 2012.
LIPOVETSKY, Gilles.
A Sociedade Pós-Moralista:
o crepúsculo do dever e a ética indolor dos novos tempos democráticos. São Paulo. Editora Manole. 2005.