Benvindos!

A idéia de criar este espaço surgiu aos poucos. Nasceu da necessidade de expandir o grupo de pessoas com as quais me correspondo ou com as quais converso sobre temas de interesse em comum. Desejo que seja um lugar de troca de idéias e informações, mas , sobretudo, de boa conversa, democrática e sem preconceitos. Mais uma vez, benvindos.



quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Senso-comum e opinião moral.

Senso-comum, por uma lado,  e o politicamente correto, por outro. Eles não são a mesma coisa, eu sei. Nos dias de hoje, porém,  o segundo pretende se tornar uma espécie de consciência social, dando forma as nossas ações e opiniões. Neste sentido, ele caminha para se tornar um senso-comum, isto é, uma opinião (pois é apenas uma opinião), que não é  questionada pelo senso crítico. Deseja torna-se uma dado intrínseco de nossas cultura e individualidades. Algo mais ou menos como foram os valores e princípios do catolicismo  durante boa parte de nossa história.

Por que escrevo sobre isso de novo ? Bem, recentemente tive duas discussões com colegas de trabalho. Sei que não se deve discutir opiniões ou valores pessoais em ambiente de trabalho, mas..., às favas. Isto também é um politicamente correto! Como não ser eu mesmo em um lugar onde passo  sete, oito ou nove horas por dia ? Posso negar eu mesmo durante um terço do dia, cinco vezes por semana, durante anos a fio ? Ah! bobagem!

Pois bem, o primeiro tema que suscitou o debate foi sobre violência contra a mulher. Discutíamos outro assunto e acabamos por entrar na questão da violência do homem contra a mulher em ambiente doméstico.
Sem negar que exista a violência do homem contra a mulher, disse-lhes que existe igualmente a violência da mulher contra o homem. Embora pouco retratada pela mídia, ela existe e não é insignificante. Pois bem, foi o mesmo que jogar água em fritura.
Comecei a ouvir aquele discurso conhecido de que a violência do homem contra a mulher, pessoa mais fraca fisicamente, era uma covardia (eu disse algo que negava este ponto de vista ?), e que atos violentos contra o sexo feminino eram muito comuns e que os homicídios cometidos contra  mulheres eram em grande quantidade, daí a necessidade da Lei Maria da Penha e da caracterização penal do feminicídio.

Quem já leu este blog deve se lembrar das estatísticas que retirei do Mapa da Violência sobre as  taxas de homicídios para homens e mulheres no Brasil. Elas apontavam para o dado de que, para cada mulher morta, onze homens tinham o mesmo destino no ano de 2012. Em todos os anos pesquisados (de 1980 à 2012) os homens nunca corresponderam a menos 90% dos homicídios. É só ir lá e ler de boa fé: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2014/Mapa2014_JovensBrasil_Preliminar.pdf

No tocante a violência doméstica e familiar; continuo acreditando que, apesar de existir e ser real, ela não passa de um subtipo de violência, cuja etiqueta foi insuflada para legitimar um discurso que anseia  se tornar hegemônico: o de que a mulher é a única vítima de agressões e mortes sofridas em ambiente doméstico.

Mesmo aí, porém, já começa a surgir aqui no Brasil e em outros países, pesquisas e estudos que demostram que os homens também são vitimados em grande medida no ambiente familiar pelas suas companheiras. Vejamos o caso de Portugal, http://www.publico.pt/sociedade/noticia/155-das-vitimas-de-violencia-domestica-sao-homens-1613002, onde fica claro que, muito embora as mulheres sejam as  maiores vítimas de violência cometidas por companheiros ou maridos, os casos em que os homens são as vítimas são significativos e, provavelmente, subnotificados.
Há um vídeo que apresenta o tema da violência contra o homem por parte de mulheres no Brasil que achei interessante por ter sido para mim o primeiro contato com o tema  em moldes de pesquisa acadêmica. Vale a pena assistí-lo.



Minha segunda discussão com outra colega de trabalho foi sobre a questão, defendida por ela, e da qual discordei, de que comida saudável e exercícios físicos implicam em maior tempo de vida. Veja bem, ela disse que comida saudável implica em maior tempo de vida e não em maior expectativa de vida (duas coisas diferentes, portanto). Se a segunda carece de base científica para ser crível, a primeira, nem se fala, não é mesmo ?

Em torno desta questão aparentemente saudável, muita confusão, mal-entendidos, desonestidade e falta de foco estão imbricados. Senão vejamos, até onde sei, não há nenhuma prova, ou pelo menos fato bem fundamentado, que demonstre que pessoas que comem alimentos ditos saudáveis e pratiquem atividades físicas vivam mais. Há tentativas pseudo-científicas que tentam aplainar o caminho para um consenso em relação a este ponto, mas quando você vai mais fundo um pouco, observa que quem esta por trás da dita pesquisa ou estudo é sempre um grupo interessado economicamente em promover a idéia de estilos de vida saudáveis (e caros, sempre caros). É uma marca de tênis, de roupa esportiva, um laboratório que vende vitaminas e estimulantes, um conglomerado de academias, e por ai vai...
Não há, porém, prova que o tempo que você gasta em praticas esportivas ou o dinheiro que despende em alimentos naturais ou saudáveis irá prolongar sua vida. Nem mesmo há consenso se tais atitudes aumentam a expectativa de vida de alguém.


Pois este discurso enganador tornou-se senso-comum. Meu debate com a colega de trabalho foi esse. Ela defendia algo que carecia de fundamento, era puro achismo socialmente compartilhado. Beber suco de limão com beterraba, como ela me sugeriu, pode até ser melhor para o corpo do que tomar um milk-shake, mas, lamento, não garante nada mais que um pós-consumo imediato saudável. Ok, o hábito de tomar milkshake  todos os dias afetará minha saúde de maneira certa e irreversível. Terei a longo prazo uma vida menos saudável, mais cansaço e outros problemas de saúde. Entretanto, minha argumentação não foi essa. Eu não disse que comer trash ou fast-food não diminui a qualidade de vida a longo prazo. O que  eu disse  foi que comida "saudável" não garante que você irá viver mais do que alguém que não a consome.  Ao mesmo tempo, você viverá  mais saudável agora; no futuro, não sabemos.  
Há um misto de confusão entre aqueles que absorvem as mensagens e discursos da "vida saudável" e de desonestidade de outros que as vendem. Li um texto na internet, do qual gostei bastante por ser simples e ir direto ao ponto,  que coloca a questão assim:
Estou muito preocupada com um fenômeno social que não para de reunir adeptos e que causa impacto e muito sofrimento nas vidas humanas: o culto ao corpo. "Culto ao corpo" pode ser traduzido como uma fixação, preocupação e verdadeira obsessão com a "tríade" magreza, beleza e juventude.

Pode parecer chocante, mas nenhum dos elementos dessa tríade significam saúde. Mas estão disfarçados dentro do discurso de "Saúde & Bem Estar" na televisão, na internet, nos anúncios, nas revistas, nos produtos para emagrecimento e fitness e principalmente: nas palavras erroneamente motivadoras dos profissionais da nutrição e da educação física*.

Diante de um discurso amplamente compartilhado temos a tendência de aceitá-lo sem críticas. Todo enunciado hegemônico  se legitima desta forma. O apelo à "vida saudável" se encaixa perfeitamente neste modelo. Ele é um controle social, na medida em que prescreve de forma objetiva padrões de alimentação, exercícios e comportamentos fundados em estruturas valorativas que se escondem por trás de um apelo ao saudável.  Levantar dúvidas ou críticas em relação a ele parece insano ou ignorância. 

Mas vamos lá. Sigamos adiante. Buscamos realmente ser saudáveis ou tentamos nos sentir dentro do padrão de expectativas compartilhados ? Chamo, mais uma vez, em meu auxílio o texto citado: 

A verdade é que a razão para adotarmos um estilo de vida saudável tem sido, precisamente, a manutenção de uma boa aparência, a busca por um corpo dentro dos parâmetros que a sociedade determinou como "bonito". Atualmente uma fotografia vale mais do que um exame de sangue ou um teste de aptidão física**.

As pessoas desejam ser aceitas, olhadas e, por que não dizer ? Invejadas. É um narcisismo enraizado na necessidade de aceitação pelo outro. Ao mesmo tempo em que a busca por corpo e de comportamentos saudáveis torna as pessoas disciplinadas e dóceis ao padrão,  as despolitiza também, uma vez que o senso crítico desaparece, e elas passam aceitar algo que lhes é imposto de fora, sem discussão. Suas vidas são manipuladas e suas vontades autônomas negadas. 



Ser "saudável" virou obrigação, virou uma conduta moral. Ser gordo é um pecado contra si e contra a sociedade saudável. Pessoas gordas são discriminadas e mesmo tidas como de segunda-classe, não importando suas qualidades, contribuições ou valores. Ser gordo desqualifica alguém de imediato. 

Usamos a noção não discutida e pouco clara de saúde para classificar moralmente as pessoas: gordos são preguiçosos; ser magro é ser feliz. Este é um dos fascismo de nossos tempos.  Para minha colega de trabalho, minha divergência era tão descabida que ela achava inacreditável. Jamais passa pela cabeça de pessoas que defendem um senso-comum afiançado por um discurso politicamente correto (quem pode ser contra uma vida saudável, afinal ?) que ela deveria, para negar ou afirmar seu discurso, indagar-se sobre os valores que movem sua fala. 

Certa vez, eu caminhava com uma conhecida minha que era magra. Bem magra. Paramos em uma doceria no Setor Comercial Sul de Brasília.  Ela e eu comemos uma fatia de torta cada um. Depois ela prossegui calada por muito tempo, enquanto andávamos. Quando lhe perguntei o que havia ocorrido, ela respondeu que "não deveria ter comida a torta". Confessou que se sentia culpada. Fazia um julgamento moral de si  talvez por se imaginar  uma pessoa "melhor" (mais saudável) do que era. Eu olhei  ao nosso redor. Havia um gramado com bancos. Algumas quaresmeiras em volta projetavam sombras agradáveis. Pessoas sentadas sobre os bancos conversavam alheias ao vai-e-vem dos apressados pedestres. A temperatura era agradável. Eu imaginei que um belo fim de tarde se aproximava, e minha colega não estava em condições de desfrutá-lo. 


* http://www.brasilpost.com.br/nao-sou-exposicao/terrorismo-na-area-da-saude_b_5513172.html
** idem

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Invasões bárbaras

Não é novidade a ninguém que o cotidiano das pessoas nos centros urbanos têm como marca expressiva a alta probabilidade que situações violentas ocorram.

Elas ocorrem mesmo quando assistimos situações ações que nos parecem corriqueiras a princípio.
Um exemplo é o transporte público na maioria de nossas grandes cidades. Se pararmos para pensar um instante, veremos que é um insulto a dignidade e ao respeito as pessoas a forma como elas são transportadas de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Trens, ônibus e metrôs sujos, apinhados e morosos nos esperam todos os dias úteis para nos levar e trazer.
Volta e meia há um quebra-quebra por atraso ou falta de funcionamento dos meios públicos de transporte.

Há ainda as pessoas em situação de rua, uma violência clara a dignidade de quem está naquela situação e a quem tem alguma sensibilidade em relação ao outro.
Policias na maioria das vezes grosseiros e despreparados nos abordam.
Servidores públicos atendendo com clara má vontade.
O trânsito, então, não precisamos falar, né ? Ambiente onde impera a incivilidade. Local por excelência onde  psicopatas e tipos anti-sociais de todo tipo deixam vazar sem controle seus péssimos instintos.

Contudo, e os lugares que teoricamente deveriam passar longe de situações de estresse ou hostilidade ? Em algum lugar encontramos refúgio do clima de barbárie que tomou conta das cidades ?

Onde vou, percebo sempre uma boa quantidade de pessoas infelizes, antipáticas, exibicionistas e iracundas. Vou a um restaurante, lá estão os garçons que te atendem com um hostil "Boa tarde" pronunciado entre os dentes que mais parecem presas.
Vou a um hotel, os(as) atendentes nem buscam disfarçar a hostilidade pelos clientes, muito embora suas palavras sejam de boas-vindas. Seus olhares nos fuzilam.
Vou a piscina ou a uma praia e lá está alguém se exibindo ou escutando música (sempre de péssimo gosto) de maneira a incomodar a simples conversa dos outros.
No cinema, pessoas conversando na sala de exibição ou enviando mensagens com seus celulares (isto quando não o deixam tocar) enquanto o filme prossegue.
Na academia que faço por motivos de saúde ( e que se não fosse por isso nem passaria perto) a competição para ser o centro das atenções e intensa. Mulheres e homens disputam os olhares alheios e se medem o tempo inteiro. Os espelhos são intensamente utilizados.

A lógica da competição, exibicionismo e do alto desempenho invadiu todas as dimensões da vida social.  Ninguém está satisfeito consigo e com sua situação. A insegurança impera.   Todos querem o centro de todos os palcos da vida social.  Ninguém, porém, pode ter certeza que conseguirá ocupar pelo menos um deles. E se fizer, não há certeza que será por muito tempo. As pessoas têm hoje uma ânsia, um desespero de serem vistas, invejadas, amadas, idolatradas.
O narcisismo os leva a desejarem ser vistos como bons profissionais,  inteligentes, viajados, bons malandros , bon vivants, corpos perfeitos, excelentes nadadores, escritores, poliglotas, montanhistas, gourmets, entendido em artes, praticante de yoga, faixa preta de jiu-jitsu, e por aí segue.
Criou-se um clima de permanente hostilidade e competição.

Se parássemos para pensar um pouco, contudo, veríamos que somos, em nossa imensa maioria, pessoas medianas em tudo o que fazemos.
E se há pessoas com talento notável para alguma atividade, que são a minoria da minoria, elas só têm aquele dom  especial para uma única prática social.
Mozart era imensamente talentoso para música. E somente para música.
Rembrandt inovou a pintura, mas teve no mais uma vida igual ao de seus contemporâneos.
Einstein é lembrado, com justiça, pela suas contribuições sem igual na Física. E é por isso que é lembrado. E por nada mais.
Shakespeare escreveu textos que são referencia a todos que se interessam pela literatura ocidental. Na vida pessoal era um homem atormentado pela falta de dinheiro e pelos dramas de perdas familiares.
Balzac nos brindou com algumas das melhores páginas da literatura mundial. Vivia endividado, com problemas de saúde e falta de amor-próprio.
Verdi, segue  caminho próximo a um indivíduo comum fora do campo da ópera. Era uma pessoa de difícil convivência. Tratava mal músicos, atores e seu empresário.

Então, diante destas pessoas, nossas pretensões à excelência em diversos domínios da vida social não passam de atitudes patéticas de gente ignorante. Ignorantes de que, no passado, pessoas com muito menos do que nós em termos de informação, condições materiais e de longevidade, deram contribuições significativas para a humanidade. Isto porque pretenderam, no máximo, serem boas em uma única atividade social. Aquela de suas preferências.
Mozart nunca pretendeu ser o mais belo, ter corpo perfeito, ou lançar um teorema novo na matemática. Ele se concentrou sobre a música e isto lhe bastou.