Gestão como Doença Social do sociólogo francês Vincent de Gaulejac é um livro de divulgação. Ele é escrito sob a forma de ensaio, dividido em vários capítulos. A leitura é recomendada para aqueles que procuram entender as origens e dimensões de nossos desconfortos no mundo moderno. Em particular, o livro foca na questão do ambiente de trabalho das corporações, um mundo onde impera normas estritas de conduta (escritas ou não), moralismo baseado na adesão às prescrições e observâncias de regras sempre impostas de cima para baixo (ainda que de maneira subliminar). Gaulejac também explora o papel dos discursos motivacionais na formação de uma ambiente esquizofrênico e ameaçador da individualidade.
O autor foge do uso de retórica radical e inflamada para analisar as contradições da vida corporativa. O texto é apresentado no formato de uma exposição de temas claros e livre de jargões. Contudo, Gaulejac longe de simplificar ou tornar o assunto rasteiro, entra agudamente nos meandros dos comportamentos, regras e discursos que fazem o dia-a-dia das grandes empresas.
Embora focado na maior parte do tempo no mundo das corporações privadas, as organizações públicas aparecem em alguns momentos da análise como padecendo das mesmas inadequações.
Embora focado na maior parte do tempo no mundo das corporações privadas, as organizações públicas aparecem em alguns momentos da análise como padecendo das mesmas inadequações.
Por exemplo, o autor ao investigar as origens dos termos "gestão"e "gerenciamento", que sempre vêm acoplados às práticas do mundo das organizações modernas, observa como ambos conceitos se prestam a tantas coisas, hora podendo significar "administração que visa resultados", em outro momento pode querer dizer "atender os clientes com qualidade", ou ainda "busca de eficácia e eficiência nos processos"; enfim, se prestam a tantos casos que, na verdade, não querem dizer nada. A polissemia dos termos enganam. Aparentemente eles parecem dizer tudo, quando na verdade são pouco significativos.
Viver em um mundo em que os conceitos são mutáveis para se encaixar em qualquer situação, e as palavras não retratam a realidade vivida, faz com que as experiências dos indivíduos sejam permanentemente desprovidas de mínimas bases de segurança para o comportamento e o agir.
Como resultado, a sensação de inadequação e a necessidade de reserva imperam em um ambiente no qual o discurso oficial propaga que a autonomia e a voluntarismo são comportamentos valorizados e premiados. Viver sob estímulos contraditórios leva as pessoas ao desestímulo ou, ainda pior, à doenças psicossomáticas.
Outra saída, vista pelo autor, como defesa para as incongruências do mundo corporativo moderno é a "adesão de fachada" que, não obstante, também cobra seu preço, tornando as subjetividades fluidas e leva à perda de sentido das ações e comportamentos.
Reproduzo aqui uma parte do livro que achei particularmente interessante pela fina ironia ao narrar as contradições do discurso gerencial em relação à busca pela qualidade:
"A idéia de qualidade, principalmente quando lhe acrescentamos o termo "total", refere-se a um mundo de perfeição e de excelência que não deixa de lembrar o mundo da pureza. Um mundo sem defeito, no qual cada um realizará sua tarefa perfeitamente. Uma espécie de paraíso antes que o pecado original chegasse a escurecer o horizonte da humanidade. A qualidade remete ao mito do Éden antes da queda do mundo: mundo de reconciliação de todos os contrários; mundo no qual foram erradicados o erro, a falta, a imperfeição e a impureza; mundo ideal onde cada um pode viver sem limite e sem conflito; mundo fantasmático, em que o desejo é satisfeito e a falta é suprimida. (...)
É por esse motivo que a qualidade suscita, à primeira vista, o consenso é a adesão. É igualmente a razão pela qual ela só pode decepcionar, gerar a desilusão e a frustração. (...), quando o ideal de qualidade não seve mais como máscara para a realidade, subsiste de fato apenas um sistema de prescrição."
Talvez o que o autor deseje demonstrar é que o mundo precisa de mais sentido e menos prescrições; mais compreensão e menos ditames.