Há coisas que, realmente, após muito repetidas, viram "verdades" inquestionáveis para muitos. Uma delas é a da existência de uma tal geração Y, formada por jovens ousados, questionadores, tecnologicamente antenados, ególatras e sujeitos à frustração acima da média dos demais. Com exceção da terceira característica citada, será mesmo que as demais são particularidades estranhas as demais pessoas ? Acredito estarmos de frente com outro blá, blá, blá que ganhou
status de assunto inteligente e profundo.
Na verdade, quando se faz uma pesquisa na internet, nos vemos face a face com diversas páginas que emitem opiniões (sim são apenas opiniões) sobre a chamada geração Y. Revelador é que as páginas não se entendem sobre o que seria as características dos supostos ipsilons, e acabam por propor coisas diferentes, quando não opostas. É o custo a pagar por generalizações superficiais. Aliás, nada mais fácil de vender do que generalizações apresentadas sob a forma de particularidades positivas e negativas.
Retirei da página da Votorantin um exemplo claro para ilustrar o que escrevo
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Geração Y no mercado de trabalho
Principais Mudanças que a Geração Y trouxe para o mercado de trabalho
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Vida profissional é diferente de vida
pessoal
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Vida profissional e vida pessoal estão
integradas
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Tempo de serviço = promoção
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Expediente das 9 às 18h, local de
trabalho definido
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Horário indefinido, local de trabalho
indefinido
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Preferência por contato pessoal
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Preferência por contato visual
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Veste a camisa quando necessário se
suas necessidades forem atendidas
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Veste-se pensando no sucesso
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Veste-se pensando na expressão de sua
individualidade
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Comunicação hierárquica, chefe merece
respeito
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Comunicação lateral, chefe tem de
demonstrar coerência naquilo que fala
para conquistar o respeito
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Ações sociais são importantes
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Ações sociais são fundamentais
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*Fonte: Nicole Lipikin e April Perrymore. A geração Y no trabalho. Campus/Elsevier, 2010.
Parentese, quando vezes já vimos slides com tabelas como a acima em apresentações de consultores ou em cursinhos de capacitação meia-boca que nossos empregos oferecem ?
De volta a discussão principal do texto, nada mais fácil para convencer uma platéia ou um público leitor na internet sobre um tema do que apresentar o assunto de forma dicotômica e estereotipada. A própria maneira de colocar o assunto em tipos ideais distorcidos, ajuda a platéia a acreditar que compreendeu um assunto complexo e que , portanto, é capaz de entender o que está em jogo, e, a partir daí, pode fazer boas escolhas. Afinal, quem vai querer ficar do lado "errado" ou querer ser chamado de burro ? Sim há um brincadeira com a auto-estima dos ouvintes. Se você discorda, é porque não entendeu, e se não entendeu...
O que textos como o da tabela nos sugerem é que existe uma ruptura entre um antes e um depois em aspectos relevantes da vida. Mesmo em uma leitura desatenta, podemos perceber que a coluna da direita sugere claramente posicionamentos positivos em relação àqueles da coluna à esquerda. É a clássica e batida fórmula utilizada em textos de auto-ajuda, por exemplo. O que se busca é ganhar adeptos para uma causa ou para uma proposta. O objetivo de quem expôs a tabela acima é o de conseguir a adesão de quem ouve e vê, e não despertar o pensamento crítico.
O problema que apresentações como esta despertam é a de oferecerem uma proposta de explicação para comportamentos e escolhas com base em valores previamente selecionados e nunca explicitados por aqueles que a elaboraram. Pretende-se induzir as pessoas a algum tipo de conclusão e comportamento a partir de dicotomias que, se pararmos um pouco para analisar, não existem na realidade e nem se encontram amparadas por experiências reais baseadas em observações de médio ou longo prazo. É um mundo sem matizes que nos é apresentado na forma de tabelas e
slides. O branco é branco, o preto é preto. Nada profundo a discutir.
Entretanto, qual o interesse de ganhar a adesão dos ouvintes ? A mobilização de cada um deles, é óbvio. Ou pelos menos seu consentimento passivo, porém entusiástico. De qualquer forma busca-se uma adesão a um princípio pretensamente claro e inteligente (ainda que para chegar a clareza de pressupostos, meios e objetivos tenha-se violentado a complexidade real do mundo e da vida) que justifique uma guinada nos negócios da empresa, ou uma mudança nos objetivos da administração pública (geralmente, em ambos os casos, para posições de ruptura com o que era aceito e operado até ontem).
Por outro lado, é realista acreditar que grupos ou gerações de pouca definição conceitual e imensa quantidade de indivíduos possa se comportar ou compartilhar valores tão iguais em um mundo tão plural, em que a busca de consensos é uma das tarefas mais difíceis, se não for a mais difícil, da esfera política e social ? Praticamente não temos consenso sobre quase nada nos dias que correm. Quando eles existem, são estabelecidos em níveis tão gerais que pouco têm de efetivo.
Mesmo em épocas menos plurais, em que é possível pensar em comportamentos mais padronizados, eu acredito que a construção de comportamentos, valores e significados nunca deixaram de seguir mais de perto pelo caminho do conflito do que do consenso. Mesmo as proposições "vencedoras" sempre foram provisória e carregadas de concessões às "vencidas". Vamos citar só a título de exemplo o ideal cavalheiresco da Idade Média. Ele nunca foi único na Europa, variava de local para local e, muito embora presente em um continente hegemônicamente cristão, estava impregnado de mitos e narrativas pagãs.
Com base nisso, acredito que esta história de geração x, de geração y ou geração z ou
sei lá mais o que, é mais uma criação estereotipada de marketing para vender. Vender palestras, livros de qualidade duvidosa, roupas de certos tipos, apetrechos tecnológicos e, principalmente, estilos de vida e valores "corretos".
Os jovens da geração Y se frustram mais com a falta de perspectivas e resultados no trabalho. Será ? Não creio. A questão da alienação do trabalho não é nova. O conceito caiu em desuso ultimamente, mas continua a meu ver atual, ainda que o chamem por outros nomes vazios de conteúdo semântico como "insatisfação", "impaciência", "desejo não correspondido de reconhecimento". O trabalho alienado, aquele que nos é imposto de fora para dentro, sobre nossas vocações e desejos, como uma obrigação, e cujo resultado é apropriado por outros para satisfação de objetivos que desconhecemos é algo novo ? A insatisfação com ele não é algo registrado nos livros de História ? Quantas revoltas de escravos não ocorreram na antiguidade e mesmo no mundo contemporâneo ? E as revoltas dos camponeses na Idade Média ? E as dos operários no início da industrialização ? Não, a insatisfação com as condições laborais e com os resultados objetivos do esforço do trabalho não é algo inventado pela fictícia geração Y. Não me parece que o mundo esperou até o século XXI para registar resistências as formas de dominação no mundo do trabalho
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* Diz-se que a geração Y é ambiciosa e competitiva em uma página da internet. Outra, sugere que são ligados à família e preferem uma vida simples e tranqüila. Outra expressa o caráter fortemente individualista dos indivíduos da geração Y. A página seguinte os descreve como pessoas preocupadas com as grandes questões sociais e políticas. São engajados para uns; detestam política, partidos políticos e não militam em coisa alguma a não ser nas chamadas páginas sociais.
**http://www.ciadetalentos.com.br/votorantim/gestores/artigos/geracao.pdf
*** Basta ler, por exemplo, os clássicos A Era das Revoluções e, sua continuação, A Era do Capital (ambos de Eric Hobsbawn) para percebermos que hoje em dia se fala e se escreve muita besteira da grossa sobre o pretenso protagonismo de uma geração inventada pelo marketing das empresas e sustentada pela industria das consultorias. Ou, para uma leitura, descolada do marxismo, sobre revoltas camponesas na Idade Média, Um Espelho Distante, de Barbara Tuchnman, entre outros, é recomendada.