Benvindos!

A idéia de criar este espaço surgiu aos poucos. Nasceu da necessidade de expandir o grupo de pessoas com as quais me correspondo ou com as quais converso sobre temas de interesse em comum. Desejo que seja um lugar de troca de idéias e informações, mas , sobretudo, de boa conversa, democrática e sem preconceitos. Mais uma vez, benvindos.



terça-feira, 17 de dezembro de 2013

É possível a meritocracia em uma sociedade permeada pela cultura do favor ?

O que é meritocracia ? Em tese a resposta parece fácil: dar a cada um de acordo com seus próprios méritos. Dar o que ? Recursos, privilégios, status e reconhecimento basicamente. 

É possível existir algo assim em termos tão ideais ? Basta deter-se um pouco para olhar a realidade e a resposta surge óbvia.  

Até nos Estados Unidos, país que tem em seu DNA o mito da meritocracia, esta é questionada. Cito o livro "O Mito da Meritocracia "de Stephen J. McNamee e Robert K. Miller, Jr (há um link com comentários e trechos do livro http://www.ncsociology.org/sociationtoday/v21/merit.htm).

Bom, mas o que dizer, então da chamada meritocracia em um contexto fortemente impregnado de autoritarismo e clientelismo como é o caso do Brasil ? Ela é possível ? Estaríamos mudando o jogo e permitindo seu surgimento ? Ou melhor, estaríamos, de fato, dispostos a abrir-lhe espaço ?

Não é desconhecido de ninguém, a não ser os mais distraídos ou aos consultores de idéias do mundo corporativo, que carregamos até o presente uma relação não bem resolvida entre sociedade e Estado. Relação contaminada por conteúdos ligados a nosso passado ibérico e escravocrata. Sem entrar em detalhes, sobre os quais não me julgo capaz de me estender, creio que as variáveis citadas tiveram por conseqüência a formação de um entrelaçamento complexo de relações de dependência pessoal, que, por sua vez, gerou a cultura do favor e do "jeitinho". 

De pronto, o surgimento de uma cultura liberal com pretensões democráticas, baseada no pressuposto do mérito, se encontrava bloqueada. 

Ainda que, volto a dizer, meritocracia em termos puros não exista em lugar nenhum do mundo, no caso brasileiro ela sempre encontrou ambiente hostil a sua presença. Os laços de família e de dependência sempre gozaram e gozam de ampla preferência. 

E aí está a questão. O autoritarismo e o favor não se encontram restrito ao Estado, mas antes fazem parte da própria maneira de ser, pensar e agir de nossa sociedade. Errado é imaginar, como muitos faziam nas décadas de 70 e 80 do século passado, que todo autoritarismo provinha do Estado e que a consciência democrática se encontrava ao lado da sociedade. 






A relação simbiótica entre Estado e sociedade faz com que  um  alimente o outro dos conteúdos de uma cultura assaz hostil ao mérito e a iniciativa própria. 

Agora, trazendo isto para o tema do mérito dentro de instituições, como é possível trabalhar anos em locais que pregam  a premiação e o reconhecimento dos "melhores", se elas mesmas, no dia-a-dia, demonstram que o que conta mesmo são os laços afetivos de camaradagem, amizade ou classe social ? 
Como se comportar em relação a seu trabalho, por exemplo, se, após meses ou anos de trabalho duro e correto (dentro da capacidade de cada ser humano e das condições que lhe são oferecidas, é claro!), o que se colhe é indiferença, mais trabalho, prazos menores e/ou responsabilização por resultados sobre os quais não se tem de fato controle ?
Enquanto outros, com menos dedicação e menos tempo de instituição são alçados ao reconhecimento e a premiações ? 

Não é de desconhecimento de ninguém (a não ser aos distraídos ou consultores de RH) que o que viceja nas corporações é a premiação às avessas: a quem sua a camisa, e que não tem capital social: mais trabalho, mais cobranças e  menos consideração. Ou seja, você colhe o oposto do esperado pela teoria meritocrática. 

Não é por outro motivo, aliás, que as pessoas no mundo corporativo, pelo menos aqui no Brasil, valorizam mais o tempo gasto com contatos sociais que possam lhes ser promissores do que com o trabalho em si.  O sonho da maioria destes é conseguir um cargo de gerente ou diretor, onde eles possam ter acesso a reuniões que decidem, mas, aos mesmo tempo, lhes permitam distribuir as tarefas sem que tenham que  "meter a mão na massa". 

Resultado ? O trabalho é visto por todos, todos mesmo, como : 1) castigo; 2) coisa de subalternos e de menos capazes; 3) como algo degradante (algo que, sem dúvida, paga tributo a nossa herança escravocrata). 

Quero ressaltar que muito embora a condição de desigualdade e sua decorrência, o favor, tenham origem em nosso remoto passado, suas atualização e legitimação ocorrem no presente. Desejo deixar isto claro para evitar a crítica corriqueira de alguns que, desprezando o contexto social e herança cultural recebida, negam validade a este tipo de análise por entenderem que aceitá-la seria antes uma confissão de preguiça e fatalismo. 

Não é o caso. Trata-se apenas de não se permitir iludir com apreciações desmemoriadas 
ou mesmo desonestas,  que comentem a injustiça de focar no indivíduo a responsabilidade total pelo seu destino, esquecendo, por conveniência, que as origens de classe, por exemplo, podem jogar um papel fundamental no quanto de facilidade ou dificuldade cada um encontrará pela frente. 











quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

A felicidade obrigatória

Não é de hoje que o conflito entre o que somos e aquilo que gostaríamos de ser ( ou aquilo que gostaríamos que os demais acreditassem que somos) se manifesta no cotidiano de todos nós.  Em uns este conflito é periódico, vai e vem; em muitos, porém, é permanente. Fraco para uns, causa algum incômodo e insatisfação; forte e de difícil convivência para outros.

Caminhava por um calçadão pelo centro de São Paulo semana passada. Notei,  com discrição, o semblante carrancudo ou preocupado das pessoas que passavam em sentido oposto ao meu. Não observei exceção a este comportamento. Talvez, por estar a passeio, o meu semblante fosse menos carregado (não que eu saia sorrindo pelas ruas, muito pelo contrário!).
Observei no canto da calçada um grupo sorridente. Três jovens moças sorrindo. Que novidade! Olhei melhor e percebi o motivo pelo qual sorriam: havia uma câmera de TV ligada em direção a elas. Uma repórter se dirigia com microfone em punho em direção as sorridentes mulheres.

Sorriam por que estavam para aparecer na televisão ? Provavelmente. Por que mais seria ?

Como as maioria das pessoas faz,  acredito que elas se achavam na obrigação de por a máscara da felicidade naquele momento instântaneo de fama. Quando sabem que sua imagem tem a chance de ser apresentada para outros,  muitas pessoas tenta mostrar a si como alguém sorridente e feliz. Isto é quase uma lei do comportamento humano moderno (ou seria pós-moderno ?).
No dia-a-dia, porém, as pessoas são muito diferentes.

O que está por trás dos sorrisos televisivos é a obrigação de ser feliz, ou, pelo menos,  aparentar felicidade. Temos que nos mostrar não só competentes em todos os ramos da vida social, como ainda nos cabe, de sobra, a obrigação de sermos felizes. É mole ?

E só entrar na internet para observarmos a impostura quase que ao primeiro clique. Lá está ela nas redes sociais (que odeio, diga-se de passagem, não pelo seu potencial, mas pelo uso real da mesma). Nas postagens de blogs também ela se faz presente ( todo mundo é PhD no assunto em debate e tem as melhores e últimas informações).

Os jornais e revistas, então ?  Deixaram de ser fonte de informação há muito, e se tornaram difusores de notícias inúteis e banais, mescladas com fotos de gente famosa sempre sorrindo como se o mundo fosse uma comêdia pastelão.

Por falar em comêdia, não vamos esquecer de citar o cinema, as comêdias românticas em particular, que de gênero leve e sensível (basta assistir Bonequinha de Luxo) tornou-se abundante e imbecilizante. Qualquer diretor com pouco talento faz uma. O cinema nacional e o estadunidense têm sido mestre em aproveitar o hábito de boa parte do público cinéfilo em utilizar  poucos neurônios de cada vez (talvez para não gastá-los rapidamente)  e produzem em quantidade abusiva filmes com temâticas idiotas. Alguns fazem pouco caso de nossa inteligência com situações previsíveis, exdrúxulas, banais e mesmo vulgares que eles acreditam serem engraçadas e interessantes.

A campeã, entretanto é a internet. Lugar onde pessoas diminuídas e com complexos buscam no olhar alheio e em palavras insinceras um motivo para se auto-valorizarem.

O risível de uma rede social é o fato que todos estão preocupados em se mostrarem, mas quase ninguém tem tempo ou paciência para ver. Daí, aquela foto "sensacional"que X postou em sua página para a "galera" ver, vai receber meia-dúzia de comentários tipo: "legal", "que bom, hein?", "onde foi, cara ?" Nada gratificante na verdade.

Seja na televisão, nas revistas, nos jornais ou na internet, a presença da felicidade como obrigação se faz presente. É quase que um comportamento facista. Experimente retratar sua vida em um rede social tal como ela realmente é, com preocupações, erros, insegurança, momentos de felicidade e tristeza. Ouso pensar que ninguém irá convidá-la para  ser seu (sua) amigo(a). A realidade é chata.

E assim, a vida autêntica vai desaparecendo, sorvida pela imbecilidade da maioria.