O que é meritocracia ? Em tese a resposta parece fácil: dar a cada um de acordo com seus próprios méritos. Dar o que ? Recursos, privilégios, status e reconhecimento basicamente.
É possível existir algo assim em termos tão ideais ? Basta deter-se um pouco para olhar a realidade e a resposta surge óbvia.
Até nos Estados Unidos, país que tem em seu DNA o mito da meritocracia, esta é questionada. Cito o livro "O Mito da Meritocracia "de Stephen J. McNamee e Robert K. Miller, Jr (há um link com comentários e trechos do livro http://www.ncsociology.org/sociationtoday/v21/merit.htm).
Bom, mas o que dizer, então da chamada meritocracia em um contexto fortemente impregnado de autoritarismo e clientelismo como é o caso do Brasil ? Ela é possível ? Estaríamos mudando o jogo e permitindo seu surgimento ? Ou melhor, estaríamos, de fato, dispostos a abrir-lhe espaço ?
Não é desconhecido de ninguém, a não ser os mais distraídos ou aos consultores de idéias do mundo corporativo, que carregamos até o presente uma relação não bem resolvida entre sociedade e Estado. Relação contaminada por conteúdos ligados a nosso passado ibérico e escravocrata. Sem entrar em detalhes, sobre os quais não me julgo capaz de me estender, creio que as variáveis citadas tiveram por conseqüência a formação de um entrelaçamento complexo de relações de dependência pessoal, que, por sua vez, gerou a cultura do favor e do "jeitinho".
De pronto, o surgimento de uma cultura liberal com pretensões democráticas, baseada no pressuposto do mérito, se encontrava bloqueada.
Ainda que, volto a dizer, meritocracia em termos puros não exista em lugar nenhum do mundo, no caso brasileiro ela sempre encontrou ambiente hostil a sua presença. Os laços de família e de dependência sempre gozaram e gozam de ampla preferência.
E aí está a questão. O autoritarismo e o favor não se encontram restrito ao Estado, mas antes fazem parte da própria maneira de ser, pensar e agir de nossa sociedade. Errado é imaginar, como muitos faziam nas décadas de 70 e 80 do século passado, que todo autoritarismo provinha do Estado e que a consciência democrática se encontrava ao lado da sociedade.
A relação simbiótica entre Estado e sociedade faz com que um alimente o outro dos conteúdos de uma cultura assaz hostil ao mérito e a iniciativa própria.
Agora, trazendo isto para o tema do mérito dentro de instituições, como é possível trabalhar anos em locais que pregam a premiação e o reconhecimento dos "melhores", se elas mesmas, no dia-a-dia, demonstram que o que conta mesmo são os laços afetivos de camaradagem, amizade ou classe social ?
Como se comportar em relação a seu trabalho, por exemplo, se, após meses ou anos de trabalho duro e correto (dentro da capacidade de cada ser humano e das condições que lhe são oferecidas, é claro!), o que se colhe é indiferença, mais trabalho, prazos menores e/ou responsabilização por resultados sobre os quais não se tem de fato controle ?
Enquanto outros, com menos dedicação e menos tempo de instituição são alçados ao reconhecimento e a premiações ?
Não é de desconhecimento de ninguém (a não ser aos distraídos ou consultores de RH) que o que viceja nas corporações é a premiação às avessas: a quem sua a camisa, e que não tem capital social: mais trabalho, mais cobranças e menos consideração. Ou seja, você colhe o oposto do esperado pela teoria meritocrática.
Não é por outro motivo, aliás, que as pessoas no mundo corporativo, pelo menos aqui no Brasil, valorizam mais o tempo gasto com contatos sociais que possam lhes ser promissores do que com o trabalho em si. O sonho da maioria destes é conseguir um cargo de gerente ou diretor, onde eles possam ter acesso a reuniões que decidem, mas, aos mesmo tempo, lhes permitam distribuir as tarefas sem que tenham que "meter a mão na massa".
Resultado ? O trabalho é visto por todos, todos mesmo, como : 1) castigo; 2) coisa de subalternos e de menos capazes; 3) como algo degradante (algo que, sem dúvida, paga tributo a nossa herança escravocrata).
Quero ressaltar que muito embora a condição de desigualdade e sua decorrência, o favor, tenham origem em nosso remoto passado, suas atualização e legitimação ocorrem no presente. Desejo deixar isto claro para evitar a crítica corriqueira de alguns que, desprezando o contexto social e herança cultural recebida, negam validade a este tipo de análise por entenderem que aceitá-la seria antes uma confissão de preguiça e fatalismo.
Não é o caso. Trata-se apenas de não se permitir iludir com apreciações desmemoriadas
ou mesmo desonestas, que comentem a injustiça de focar no indivíduo a responsabilidade total pelo seu destino, esquecendo, por conveniência, que as origens de classe, por exemplo, podem jogar um papel fundamental no quanto de facilidade ou dificuldade cada um encontrará pela frente.
É possível existir algo assim em termos tão ideais ? Basta deter-se um pouco para olhar a realidade e a resposta surge óbvia.
Até nos Estados Unidos, país que tem em seu DNA o mito da meritocracia, esta é questionada. Cito o livro "O Mito da Meritocracia "de Stephen J. McNamee e Robert K. Miller, Jr (há um link com comentários e trechos do livro http://www.ncsociology.org/sociationtoday/v21/merit.htm).
Bom, mas o que dizer, então da chamada meritocracia em um contexto fortemente impregnado de autoritarismo e clientelismo como é o caso do Brasil ? Ela é possível ? Estaríamos mudando o jogo e permitindo seu surgimento ? Ou melhor, estaríamos, de fato, dispostos a abrir-lhe espaço ?
Não é desconhecido de ninguém, a não ser os mais distraídos ou aos consultores de idéias do mundo corporativo, que carregamos até o presente uma relação não bem resolvida entre sociedade e Estado. Relação contaminada por conteúdos ligados a nosso passado ibérico e escravocrata. Sem entrar em detalhes, sobre os quais não me julgo capaz de me estender, creio que as variáveis citadas tiveram por conseqüência a formação de um entrelaçamento complexo de relações de dependência pessoal, que, por sua vez, gerou a cultura do favor e do "jeitinho".
De pronto, o surgimento de uma cultura liberal com pretensões democráticas, baseada no pressuposto do mérito, se encontrava bloqueada.
Ainda que, volto a dizer, meritocracia em termos puros não exista em lugar nenhum do mundo, no caso brasileiro ela sempre encontrou ambiente hostil a sua presença. Os laços de família e de dependência sempre gozaram e gozam de ampla preferência.
E aí está a questão. O autoritarismo e o favor não se encontram restrito ao Estado, mas antes fazem parte da própria maneira de ser, pensar e agir de nossa sociedade. Errado é imaginar, como muitos faziam nas décadas de 70 e 80 do século passado, que todo autoritarismo provinha do Estado e que a consciência democrática se encontrava ao lado da sociedade.
A relação simbiótica entre Estado e sociedade faz com que um alimente o outro dos conteúdos de uma cultura assaz hostil ao mérito e a iniciativa própria.
Agora, trazendo isto para o tema do mérito dentro de instituições, como é possível trabalhar anos em locais que pregam a premiação e o reconhecimento dos "melhores", se elas mesmas, no dia-a-dia, demonstram que o que conta mesmo são os laços afetivos de camaradagem, amizade ou classe social ?
Como se comportar em relação a seu trabalho, por exemplo, se, após meses ou anos de trabalho duro e correto (dentro da capacidade de cada ser humano e das condições que lhe são oferecidas, é claro!), o que se colhe é indiferença, mais trabalho, prazos menores e/ou responsabilização por resultados sobre os quais não se tem de fato controle ?
Enquanto outros, com menos dedicação e menos tempo de instituição são alçados ao reconhecimento e a premiações ?
Não é de desconhecimento de ninguém (a não ser aos distraídos ou consultores de RH) que o que viceja nas corporações é a premiação às avessas: a quem sua a camisa, e que não tem capital social: mais trabalho, mais cobranças e menos consideração. Ou seja, você colhe o oposto do esperado pela teoria meritocrática.
Não é por outro motivo, aliás, que as pessoas no mundo corporativo, pelo menos aqui no Brasil, valorizam mais o tempo gasto com contatos sociais que possam lhes ser promissores do que com o trabalho em si. O sonho da maioria destes é conseguir um cargo de gerente ou diretor, onde eles possam ter acesso a reuniões que decidem, mas, aos mesmo tempo, lhes permitam distribuir as tarefas sem que tenham que "meter a mão na massa".
Resultado ? O trabalho é visto por todos, todos mesmo, como : 1) castigo; 2) coisa de subalternos e de menos capazes; 3) como algo degradante (algo que, sem dúvida, paga tributo a nossa herança escravocrata).
Quero ressaltar que muito embora a condição de desigualdade e sua decorrência, o favor, tenham origem em nosso remoto passado, suas atualização e legitimação ocorrem no presente. Desejo deixar isto claro para evitar a crítica corriqueira de alguns que, desprezando o contexto social e herança cultural recebida, negam validade a este tipo de análise por entenderem que aceitá-la seria antes uma confissão de preguiça e fatalismo.
Não é o caso. Trata-se apenas de não se permitir iludir com apreciações desmemoriadas
ou mesmo desonestas, que comentem a injustiça de focar no indivíduo a responsabilidade total pelo seu destino, esquecendo, por conveniência, que as origens de classe, por exemplo, podem jogar um papel fundamental no quanto de facilidade ou dificuldade cada um encontrará pela frente.