Benvindos!

A idéia de criar este espaço surgiu aos poucos. Nasceu da necessidade de expandir o grupo de pessoas com as quais me correspondo ou com as quais converso sobre temas de interesse em comum. Desejo que seja um lugar de troca de idéias e informações, mas , sobretudo, de boa conversa, democrática e sem preconceitos. Mais uma vez, benvindos.



sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Livro Gestão como Doença Social

Gestão como Doença Social do sociólogo francês Vincent de Gaulejac é um livro de divulgação. Ele é escrito sob a forma de ensaio, dividido em vários capítulos. A leitura é recomendada para aqueles que procuram entender as origens e dimensões de nossos desconfortos no mundo moderno. Em particular, o livro foca na questão do ambiente de trabalho das corporações, um mundo onde impera normas estritas de conduta (escritas ou não), moralismo baseado na adesão às prescrições  e observâncias de regras sempre impostas de cima para baixo (ainda que de maneira subliminar).  Gaulejac também explora o papel dos discursos motivacionais na formação de uma ambiente esquizofrênico e ameaçador da individualidade.

O autor foge do uso de retórica radical e inflamada para analisar as contradições da vida corporativa. O texto é apresentado no formato de uma exposição de temas claros e livre de jargões. Contudo, Gaulejac longe de simplificar ou tornar o assunto rasteiro, entra agudamente nos meandros dos comportamentos, regras e discursos que fazem o dia-a-dia das grandes empresas.
Embora focado na maior parte do tempo no mundo das corporações privadas, as organizações públicas aparecem em alguns momentos da análise como padecendo das mesmas inadequações. 



Por exemplo, o autor ao investigar as origens dos termos  "gestão"e "gerenciamento",  que sempre vêm acoplados às práticas do mundo das organizações modernas, observa como ambos conceitos se prestam a tantas coisas, hora podendo significar "administração que visa resultados", em outro momento pode  querer dizer "atender os clientes com qualidade", ou ainda "busca de eficácia e eficiência nos processos"; enfim, se prestam a tantos casos que, na verdade, não querem dizer nada. A polissemia dos termos enganam. Aparentemente eles parecem dizer tudo, quando na verdade são pouco significativos. 

Viver em um mundo em que os conceitos são mutáveis para se encaixar em qualquer situação, e as palavras não retratam a realidade vivida, faz com que as experiências dos indivíduos sejam permanentemente desprovidas de mínimas bases de segurança para o comportamento e o agir.  
Como resultado, a sensação de inadequação e a necessidade de reserva imperam em um ambiente no qual o discurso oficial  propaga que a autonomia e a voluntarismo são comportamentos valorizados e premiados. Viver sob estímulos contraditórios leva as pessoas ao desestímulo ou, ainda pior, à doenças psicossomáticas. 
Outra saída, vista pelo autor, como defesa para as incongruências do mundo corporativo moderno é a "adesão de fachada" que, não obstante, também cobra seu preço, tornando as subjetividades fluidas e leva à perda de sentido das ações e comportamentos. 

Reproduzo aqui uma parte do livro que achei particularmente interessante pela fina ironia ao narrar as contradições do discurso gerencial em relação à busca pela qualidade:

"A idéia de qualidade, principalmente quando lhe acrescentamos o termo "total", refere-se a um mundo de perfeição e de excelência que não deixa de lembrar o mundo da pureza. Um mundo sem defeito, no qual cada um realizará sua tarefa perfeitamente. Uma espécie de paraíso antes que o pecado original chegasse a escurecer o horizonte da humanidade. A qualidade remete ao mito do Éden antes da queda do mundo: mundo de reconciliação de todos os contrários; mundo no qual foram erradicados o erro, a falta, a imperfeição e a impureza; mundo ideal onde cada um pode  viver sem limite e sem conflito; mundo fantasmático, em que o desejo é satisfeito e a falta é suprimida. (...)
É por esse motivo que a qualidade suscita, à primeira vista, o consenso é a adesão. É igualmente a razão pela qual ela só pode decepcionar, gerar a desilusão e a frustração. (...), quando o ideal de qualidade não seve mais como máscara para a realidade, subsiste de fato apenas um sistema de prescrição."

Talvez o que o autor deseje demonstrar é que o mundo precisa de mais sentido e menos prescrições;  mais compreensão e menos ditames. 




sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Quando abandonar a leitura de um livro

Tá aí uma questão que incomoda muito a pessoas que têm o hábito de ler.
Quando abandonar a leitura de um livro ? 
Faz sentido se manter apegado a ele mesmo quando não agrada ?
Minha resposta objetiva é : não. Esta minha convicção, porém, não me veio sem um aprendizado que envolveu amadurecimento e reflexão. 



Já abandonei a leitura de pelo menos uma dúzia de livros. Todos os casos ocorreram nos últimos dez anos. Antes eu me obrigava, mesmo com sacrifício de tempo enorme  a terminar um livro (porque a leitura que não agrada leva mais tempo para ser percorrida). Atualmente não faço mais isso. 
É difícil para alguém que gosta de ler, largar um livro pelo meio. Sempre ficamos com aquela sensação de que talvez não tenhamos feito bem. Ou que aquele livro, apesar de tudo, pode ter algo interessante para nos contar ao final. 

Mas vamos reconhecer que há casos e casos. Por exemplo, um livro que comece pedante, sem deixar claro a que veio nas primeira páginas, pode  se tornar muito prazeiroso e interessante logo depois. Quem já não passou por esta experiência ? Digo, não defendo a desistência da leitura logo de cara. A recompensa pode estar só mais um pouco adiante. Muitas vezes vale a pena insistir e não deixar tudo de lado por conta das primeiras sensações. 

Porém, há outros casos em que, por mais interessante que seja o tema, a abordagem equivocada pode fazer a atenção do leitor ser perdida para sempre para uma discussão.  Escrita obscura, pretensamente acadêmica, ou autor disposto a se mostrar intelectualmente superior, são algumas das formas que fazem um leitor colocar um livro de lado e buscar outro na estante.
Certa vez ganhei de presente um livro escrito por um destes autores da moda. Era um inglês, cujo nome sinceramente não me lembro. Acredito ter conseguido chegar até a página setenta. O livro como um todo deveria ter pouco mais de trezentas páginas. Até onde consegui ler, a narrativa era um amontoado de nomes de banda britânicas underground das quais eu nunca ouvira falar; nomes de discos e músicas que eu provavelmente nunca iria ouvir na vida; piadinhas de grupelhos londrinos sobre lugares, pessoas e comidas que só faziam sentido (se é que faziam) para quem viveu a Londres dos anos 70 a partir da lógica daqueles mesmos grupelhos. Enfim, uma total falta de sintonia se estabeleceu entre mim e a narrativa. Minha sensação era de que o autor escrevera para si mesmo e para alguns fews que viveram ou compartilharam com ele aqueles momentos. Ele fazia questão de ressaltar ao leitor, por intermédio da fala de seus personagens, o que ele perdeu por não ter "curtido"os anos setenta na capital inglesa e que  não poderia, nem simbolicamente, fazer parte daquela experiência. Larguei-o sem ter que me dar muitas explicações e fui buscar outro livro. 

Cito outro exemplo de como uma maneira equivocada de lidar com um assunto termina por limitar o debate e a propagação de idéias. Na pós-graduação que fiz anos atrás, tive que escolher um entre três livros para fazer resenha e apresentar à sala. O professor me deixou bem à vontade para a escolha. Pois bem, o primeiro que escolhi, era de um sociólogo francês (quem mandou eu escolher um francês ?). A escrita era tão obscura (os significados e os conceitos não eram claros, e a narrativa era de difícil compreensão pois utilizava casos paroquianamente franceses para realizar deduções pretensamente válidas). Tive que pedir ao professor para trocar de autor. Ele sorriu e concordou, como se já esperasse aquilo. Minha avaliação é a de que o autor que não teve suas idéias e abordagens expostas e debatidas é que saiu perdendo. 


Eu vejo a coisa da seguinte forma: há tantos livros para se ler no mundo que o autor que deseja ter público e ser compreendido deve se pautar pela clareza. Por mais árido que seja o assunto, certamente existe uma forma didática e prazeirosa  de expressá-lo  ao leitor. Ser pouco claro a quem procura conhecer um assunto, ou com ele ter um contato prazeiroso, é um desserviço muito grande. 
Por outro lado, à  medida que vamos lendo, mais rigorosos ficamos quanto a qualidade da escrita. Se vamos despender nosso tempo na leitura de algo,  que esta leitura nos traga boas sensações ou pelo menos o sentimento de que estamos aprendendo algo. Não adianta abordar assuntos espetacularmente importantes e potencialmente interessantes se a forma da escrita desapaixona o leitor em poucas páginas. 


* Logo, não me refiro a literatura barata e sem fundamento como são os  ditos best-sellers em sua imensa maioria, ou livros de auto-ajuda, ou ainda, de gurus da administração. Estes são lixos produzidos por parte da indústria livreira da mesma forma que fast-food o são pela alimentícia. 




domingo, 27 de novembro de 2016

Meus filmes inesquecíveis.

Estou muito longe de ser um cinéfilo. Até costumava ir ao cinema com alguma freqüência no início e meados dos anos 90, mas por diversos fatores e mesmo ritmo de vida, tornei-me cada vez menos assíduo nas salas de projeção.
Isto não quer dizer que parei de assistir filmes de todo. Apenas, por questões de comodidade, prefiro vê-los na tela de meu computador em casa.
Tenho uma preferência por temas e não por diretores. Gosto de filmes com fundo histórico realista (ou pelo menos o mais realista possível).
Fiz uma pequena lista de alguns que me surgem sempre à mente. Eles não estão em ordem de preferência nem cronológica. Entre eles há pelo menos um que, até onde sei, não possuí título em português.  


1. Ran (Akira Kurosawa)



Considerada a obra-prima de Kurosawa, baseia-se no conto Rei Lear de Shakespeare (de quem Kurosawa se dizia fiel admirador). Não bastasse o excelente roteiro, a fotografia é belíssima. Destaque para as atuações de Tatsuma Nakadai e Mieko  Harada. 

2. Quanto mais Quente Melhor (Billy Wilder)


Para muitos, a melhor comédia já produzida para o cinema. Com belas atuações de Marilyn Monroe Jack Lemon e Tony Curtis (principalmente do dois últimos), o filme foi sucesso logo de cara. As situações farsescas e improváveis tornam este filme inesquecível.

3. Os que Sabem Morrer (Anthony Mann)



Atravessar o território inimigo em meio a conflitos internos de personalidade que dividem o grupo, eis o tema de Os que Sabem Morrer. A ação se passa na Coréia quando um oficial do exército dos Estados Unidos tenta salvar seus homens, e a si mesmo, em meio as tropas inimigas que os cercam.

4. Excalibur (John Boorman)



Trata-se do filme produzido e lançado em 1981, dirigido por John Boorman. Um de meus preferidos entre os preferidos. A trilha sonora junto com a fotografia tornam a narrativa desta velha e conhecida história algo valioso de se ver. A cena de Merlin recebendo Excalibur da Dama do Lago ao som da Marcha Fúnebre de Siegfried, logo em uma das primeiras cenas do filme, é impressionate.

5. A Cruz de Ferro (Sam Peckinpah)



Eu facilmente apontaria A Cruz de Ferro como o melhor filme de guerra que já vi. Muito embora todas as atuações sejam dignas de nota, a atuação de James Coburn e Maximillian Schell são espetaculares. O filme conta a  história de um capitão do exército alemão em busca de sua cobiçada cruz de ferro, e o que ele faz para conseguí-la.  O filme, contudo,  também fala de amizade, dever e companheirismo em tempos difíceis. O final é surpreende.


6.  Barravento (Glauber Rocha)



Quando se pensa Glauber Rocha, Deus e o Diabo na Terra do Sol é o primeiro filme que vem à cabeça.  Barravento, contudo, não lhe é menor. 
A narrativa se passa em uma aldeia de pescadores que vivem de acordo com as tradições herdadas de seus antepassados. Logo, porém, fica claro que, muito embora resistam,  o progresso e o crescimento econômico irão alterar seu modo de vida. Firmino, um membro da comunidade que foi viver na cidade grande e voltou anos depois, tem muito claro para si que aquele estilo de vida está condenado. Ele, no entanto, é mal visto pelos demais.  Ele decide  então, atacar as tradições do grupo por meio de um golpe audaz. 

7. Kagemusha, a Sombra do Samurai (Akira Kurosawa)


Outro grande filme de Kurosawa. Três senhores feudais disputam o poder durante o período das guerras civis no Japão: Shingen Takeda, Nobunaga Oda e Ieyasu Tokugawa. Logo nos primeiros diálogos do filme, Takeda revela sua disposição de sacrificar a tudo e todos para levar o Japão à paz. Para tanto, ele acredita que somente ele é capaz de fazê-lo. É um homem imbuído de virtú para agir e  conquistar o poder. Entretanto, as coisa se subvertem quase que totalmente quando, ao assediar um castelo inimigo, Takeda é mortalmente ferido. Ele é substituído por um sósia que nem de longe possui seus talentos. 


8. Em Busca do Cálice Sagrado (Monty Python)



Este é um daqueles filmes que não apenas não cansa rever, como sempre descobrimos algo novo e engraçado e que havia nos passado desapercebido. É também de um tipo de humor que muitos tentam imitar, mas poucos conseguem.  A saga do rei Arthur e seus cavaleiros em busca do Graal já foi abordada de diversas formas e com variações mais ou menos heterodoxas em relação a narrativa original (se é que existe uma). Monty Python põe à disposição sua fina e inteligente ironia para criar sua versão da lenda. 
Para preencher seu tempo ocioso, Arthur reune um grupo de paladinos na busca do cálice sagrado da última ceia de Cristo. Muitos risos e trapalhadas os esperam pelo caminho. 

9. Com Sangue se Escreve a História (Abel Gance)


Acredito que este filme não é muito conhecido ou, se o é, é pouco comentado. Trata-se da reconstituição das semanas que antecederam a batalha de Austerlitz. O filme enfoca em um primeiro momento a vida na corte de Napoleão, suas relações tumultuadas com seus irmãos, esposa, generais, ministros e cortesãos.A segunda parte ilustra os preparativos para a batalha.  Seu roteiro bem estruturado e as interpretações de Pierre Mondy, Claudia Cardinale e outros tantos fazem este filme de quase três horas transcorrer como sem nos darmos conta do tempo. Ah! Jack Palance também está no elenco, assim como Orson Welles em uma pequena ponta. 


10.  Blade Runner (Ridley Scott)


Uma vez alguém me censurou por eu ter escolhido Blade Runner como meu filme preferido. Alegou que haviam filmes bem melhores e citou alguns. Filmes melhores no sentido cinematográfico ? Como meio de expressão ? É possível, mas a pergunta que me foi feita era: Qual seu filme preferido ?  Não pestanejei. Tratava-se de uma escolha pessoal, então.  Não há um filme no qual a afinidade entre  temática e abordagem  tenham me impressionado mais. Há  ali um casamento perfeito entre ambas.  
Dito isto, não canso de rever este filme. A fotografia é fora de série, a trilha sonora é espetacular, a ambientação das personagens é perfeita. Harrison Ford está em sua melhor forma e Sean Young estava belíssima na oportunidade. O que mais precisa ?


11.  Adeus Minha Concubina (Chen Kaige)


Por meio da história da relação de dois amigos desde a infância, amantes do teatro e artistas de um grupo de encenação, a película nos mostra um pouco da história da China durante o século XX.  O filme em si fala de muitas coisas: amizade, amor pelo teatro, fidelidade e da relação entre arte e política. 
Depois da invasão japonesa da China em 1937, os amigos Xiagolou e Dieyi, treinados e educados desde a infância para serem atores, são obrigados a encenarem para oficiais japoneses. Tal atividade lhes traz problemas junto a seus compatriotas que os olham com desconfiança. Anos mais tarde, sob a Revolução Cultural os amigos são forçados, juntamente com os demais membros de seu grupo teatral,  a "revelarem" seus crimes burgueses e denunciarem uns aos outros frente a uma multidão hostil. É uma das cenas mais fortes e interessantes do filme. Além de ressaltar a interpretação dos atores Leslie Cheung e Zhang  Fengyi, cabe chamar a atenção para a sempre extraordinária Gong Li. 

12.  A Liberdade é Azul (Krzysztof Kieslowski)



Quando assisti pela primeira vez a trilogia das cores (como ficou conhecida aqui no Brasil) de Krzysztof, por volta de 1996, lembro que dos três filmes, A Fraternidade é Vermelha havia sido o que mais havia gostado. 
Anos depois, ao revê-los, passei a apreciar A Liberdade é Azul com mais simpatia. 
A questão da fraternidade e empatia entre as pessoas, abordada no terceiro filme da trilogia,  me parecia de início mais próxima a minha forma de pensar as relações humanas, com o tempo cedeu espaço para a da busca da autonomia, independência e das escolhas pessoais.  A trilha sonora encaixa muito bem com a narrativa e é uma das marcas do filme, além é claro, de Juliette Binoche.  


13.  Júlio Cesar (Joseph L. Mankiewicz)


A escolha deste filme me foi difícil. Não pela sua falta de méritos. Com texto de Shakespeare, e Marlon Brando no papel de Marco Antonio ,  James Manson como Brutus e Debora Kerr  interpretando Portia (esposa de Brutus) dificilmente um filme deixará de ter muitas virtudes. A questão é que há outro filme com o mesmo nome (de 1970), dirigido por Stuart Burge, com Charlton Heston, Jason Robards e excelente interpretação de Richard Johnson no papel de Cassius, que não lhe fica atrás. Na verdade, acho que para ser justo deveria colocar os dois filmes aqui. 
Talvez eu coloque o filme dirigido por Mankiecwicz em primeiro por uma preferência pessoal, e, portanto, discutível, pela fotografia. 
Falar de Shakespeare é chover no molhado, certo ? A história contada pelo autor inglês de Júlio César é instigante por pelo menos uma razão: a figura de Brutus passa por um releitura e nos é apresentada de uma forma virtuosa quando comparada a todos os demais personagens da narrativa. Ele é o único que age por um ideal coletivo: a salvação da república frente à tirania. Todos os demais, inclusive Julio César (que aparece muito pouco no filme e na peça teatral ) agem por motivos egoístas, mesquinhos e de vaidade, muito embora tentem disfarçá-los com discursos pomposos e de apelo populistas. Aliás, a cena de Marco Antônio falando a população de Roma após o assassinato de Júlio César denota bem o que Shakespeare pensava da política quando submetia aos humores da turba. 


14. Júlio César (Stuart Burge)


Não seria justo deixá-lo de fora da lista. A interpretação de Richard Johnson é valiosa. 


15. 2001 - Uma Odisséia no Espaço (Stanley Kubrick)




Tanto já se escreveu sobre 2001, que falar sobre o filme é repetir o que já foi dito muitas vezes por tantos quantos. Basta dizer que ele é considerado por muitos como o melhor filme de ficção-científica de todos os tempos. O filme em si é uma daquelas obras que não se exaure, não importa quantas vezes a tenhamos assistido. Ele nos fala da evolução da raça humana em nosso pequenino planeta, de seu futuro nos cosmos, de suas escolhas, e sobre seu fim. A trilha sonora   Danúbio Azul, de Johann Strauss II,  ficou para sempre associada as cenas de astronautas   e espaçonaves pelo vazio sideral. 


16.  Back to 1942 (Feng Xiaogang)



Província de Henan, centro da China, acidentes naturais, corrupção e guerra resultam em fome e morte de milhões de pessoas. Fan, um próspero comerciante perde tudo o que tem e parte com sua família em busca da sobrevivência em outras regiões do país. Para tanto, ele se junta a uma caravana de milhares de refugiados na tentativa de obter ajuda. Não só terá que enfrentar a hostilidade de muitos de seus concidadãos melhor afortunados, que não desejam receber os refugiados, como terá pela frente ainda funcionários corruptos e insensíveis. Fora isso, o Japão lança sua ofensiva para quebrar a resistência chinesa a seu avanço, e os refugiados estão no meio do caminho. 


17. Primavera, Verão, Outono e Inverno (Kim Ki-duk)



Um filme que fala de tentações, escolhas, auto-controle e expiação. Kim Ki-duk nos apresenta de maneira lírica  uma obra cheia de simbolismos. Um monge e seu discípulo moram isolados no meio de um lago. Por meio do trabalho, do exemplo mas também da penitência, o monge tenta ensinar a seu aluno os valores do comedimento e da constância. As estações se sucedem, da mesma maneira como o pequeno aprendiz muda. De uma criança travessa ele se transforma em um rapaz e finalmente em um homem. Ao conhecer pela primeira vez uma mulher, ele conhece o desejo, o sentimento de posse, o ciúme e o crime. Mais tarde, após expiar suas culpas,  tentará retomar o caminho  de seu mestre. 


18. As Damas do Bois de Boulogne (Robert Bresson) 


Hélene e Jean vivem uma relação aberta. Os dois mantém casos fortuitos sem que isto coloque em risco a ligação entre ambos. Um dia, porém, após muito insistir e mesmo dissimular um pouco caso, Hélene recebe de Jean a confissão de que entre eles há apenas uma amizade e que ele pede que ela  não considere mais a preferência que havia entre eles. 
Hélene finge concordar e o deixar ir, mas em seu íntimo se sente ultrajada e planeja uma vingança. Para isso, irá recorrer à Ágnes, uma jovem dançarina de cabaré que sonha se tornar bailarina clássica.


19. Três Homens em Conflito (Sergio Leone)



Nada melhor que assistir um faroeste durante às tardes de sábado. Se o filme for de Sergio Leone, melhor ainda. Três foras-da-lei buscam uma fortuna em ouro que fora roubado do exército Confederado. Os três tentam se eliminar o tempo inteiro enquanto buscam a riqueza. Em alguns poucos momentos pensam em juntar forças, mas todos sabem que aquilo não é para durar. 
A cena final do duelo entre os três no cemitério é bastante conhecida e foi posteriormente muito copiada.  
A trilha sonora a cargo de Ennio Morricone é inesquecível. 


20. Alexandria (Alejando Amenábar)



A ascenção do cristianismo não foi um caminho suave e sem lutas. A conversão se produziu de maneira mais ou menos rápida, mas com muitas perdas. O filme Alexandria (Ágora em espanhol) retrata o Império Romano decadente, incapaz de manter suas fronteiras e a paz interna entre seus súditos. Cristãos e helenista lutam pelo controle da sociedade. Em meio a tudo isto, Hipátia, filósofa e matemática, entra em choque com o crescente poder dos cristãos, que não vem com bons olhos o fato de uma mulher ensinar homens e realizar estudos sobre a ordem do cosmos. 
Excelente filme do jovem diretor Amenábar, que ainda dirigiu Mar Adentro, outro grande filme. 



21. Cidade de Deus (Fernando Meirelles)


A história é contada em flashback e em primeira pessoa por um morador do bairro chamado Buscapé. Em cena o início da construção da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro. O filme mostra como a população foi colocada naquela região, provinda de diversa áreas da cidade. Como eles foram, posteriormente, abandonados pelo poder público e tiveram que criar sua própria sociabilidade. 
O filme tem em alguns momentos um ritmo de videoclip, uma inovação no cinema brasileiro à época e que se casa muito bem com a narrativa. 








domingo, 20 de novembro de 2016

O hábito da leitura entre nós

Realizei pesquisa na internet sobre uma questão que volta e meia me surge: o tema da ausência do hábito de leitura entre nós brasileiros. 

O que está por trás desta curiosidade, que não é só minha, é a tentativa de responder a pergunta: afinal, por que o brasileiro lê pouco ? Ou ainda, por que não temos o hábito da leitura ?

Quero dizer logo de cara que não pretendo dar resposta definitiva e pronta a estas perguntas (quem sou eu para fazê-lo ?). 


Em primeiro lugar, é bom que se diga, e é um clichê dizê-lo, que o hábito de ler é fundamental para a melhoria da cidadania de qualquer povo e de suas condições de vida. Ao mesmo tempo, é bom ressaltar, ele não é de forma alguma uma panacéia para todos os problemas e nem garantia de um trilhar direto e reto à uma sociedade justa e livre de preconceitos. A última eleição presidencial nos Estados Unidos, turbinada por discursos apriorísticos,  e o ressurgimento do racismo e da xenofobia na Europa bem ilustram o que digo. Todas as realidades citadas se caracterizam, frente à nossa, por apresentar estatísticas de leitura bem mais sólidas.  
As sociedades árabes, por seu lado, têm uma longa tradição de cultura baseada na escrita e na leitura, e nem por isso se tornaram  exemplos a serem seguidos no século XXI em termos de bem-estar, direitos humanos, democracia e tolerância. 

Contudo, se é duvidoso que o apego a uma cultura letrada garanta acesso à modernidade, ao respeito e à tolerância; não ter as letras como valor certamente nos leva à sociedades menos condescendentes, mais violentas e ausentes de empatia. Eu não conheço nenhuma sociedade cuja cultura letrada seja pouco valorizada, que consiga garantir qualidade de vida a sua população. 

De retorno à nossa realidade, sempre me incomodei com  certos discursos e interpretações que apontavam a falta do hábito da leitura como conseqüência direta de governos pouco preocupados com a questão educacional e com a melhoria intelectual e cognitiva de nosso povo. Ou, quando não, pelo preço abusivo dos livros e a baixa renda do brasileiro como fatores limitantes.  

Culpa-se as autoridades municipais, estaduais e federais. Culpa-se o legislativo e o executivo também.  Esquecemos convenientemente, contudo,  que governo nenhum irá empreender esforço em adotar políticas, em qualquer área que seja,  sem que ele perceba uma razoável possibilidade de apoio  por parte da sociedade na empreitada*.
Desejar que governos se esforcem em executar algo que a sociedade não vê utilidade ou importância, é utopia!
Somente governos totalitários realizam políticas a despeito da opinião pública. Basta lembrar a coletivização forçada das propriedades rurais na URSS nos anos trinta do século passado ou a "Marcha para o Campo" de Pol Pot no Camboja na década de 70 também no século XX.

Fora isso, é sonho imaginar que em regimes democráticos ou mesmo autoritários de frágil apoio social, os governos irão realizar esforço em algo que conta com suporte apenas de uma minoria intelectualizada.
E o fato, por mais infeliz que seja reconhecê-lo, é que a sociedade brasileira não dá, ainda, a devida importância a educação e a leitura. Óbvio que se alguém perguntar na rua para um transeunte se ele(a) acha educação importante, ou se ele(a) acha ler um hábito positivo, sua resposta muito provavelmente será afirmativa. Isto porque educação é tida no discurso como algo positivo. Da mesma forma, existe um quase-consenso verbal de que a leitura é uma prática edificante que traz benefícios para quem lê. Bom, o problema é estes entendimentos só vão até aí. Eles não chegam ao mundo real. Se estes entendimentos fossem um livro, eles terminariam na contracapa. 

Dependendo do critério para a definição de quem é leitor ou não, podemos ter pelo menos quase 50% da população definida como não leitora. Pesquisa realizada pelo IBOPE a pedido do Instituto Pró-Livro em 2015, revelou que 56% da população era enquadrada como leitora a partir do critério de ter lido no todo ou em parte um livro nos últimos três meses. A pesquisa também revelou que o brasileiro lê em média 5 livros por ano entre didáticos e não-didáticos, sendo que apenas 2,43 foram lidos no todo e 2,53 em partes. Por fim, a pesquisa apontou  que 30% da população não comprou um único livro sequer no ano anterior. O estudo foi comentado no jornal O Estado de São Paulo do dia 18 de maio passado.

Com critérios tão generosos para categorizar quem é leitor ou não, fica claro que estamos mal na fita. Basta apertar um pouquinho os padrões de definição, e estes percentuais irão pender fortemente no sentido de mostrar que NÃO somos um país de leitores. 


Mais realista, eu diria, uma pesquisa apresentada no jornal O Globo do dia 31 de março passado trouxe matéria que revela que 70% da população não consultou ou abriu um livro sequer durante todo o ano de 2014. 

Alguns insistirão em culpar apenas os governos: estrutura tributária confusa que encarece livros que deveriam ser isentos de tributos; ausência de bibliotecas públicas em quantidade e qualidade, livros caros, baixa renda da população, e por aí vai.

Sem negá-las, acho, porém, que elas refletem uma parte do problema e vem embutidas da visão ideológica de que os governos (no sentido lato da palavra) são os responsáveis pelos nossos males e atrasos. Neste caso, porém, acho que o cerne do problema está na sociedade. 

Não há melhor lugar para aprender a gostar de ler do que a sala de casa.   O hábito da leitura nasce quase sempre no lar e não em espaços previamente preparados para receber leitores. Tenho a impressão que as bibliotecas públicas de cidades do interior e bairros afastados do centro devem viver vazias a maior parte do tempo por falta de leitores. A biblioteca de meu trabalho, por exemplo, que é no centro de uma capital, vive vazia. Às vezes eu entrava lá e os bibliotecários, que  já me conheciam, nem me davam mais  atenção. Eu percorria as estantes sozinhos em busca do que queria. Pois bem, esta biblioteca fechou para obras há alguns meses. Devido a escassez de verbas e problemas técnicos referentes a guarda do acervo, ela está fechada até hoje. Ela está há mais de um ano sem abrir.  Sem exagero, acho que só eu e os bibliotecários notamos o fato. O que quero dizer é que, não adianta, se não há habito de leitura adquirido em casa, as pessoas não se transformarão em leitores somente porque  espaços de leitura foram criados. 

Outra coisa, o argumento de que a internet esvaziou as bibliotecas é verdadeiro em parte. Nem tudo que está nos livros e periódicos está na rede. Desta forma,  a  internet serve  como uma fonte primária de consultas. Ele deveria incentivar  as pessoas a visitar as bibliotecas em busca de aprofundamento. Entretanto, muitos, por falta de costume de ir as bibliotecas e realizar um corpo-a-corpo com livros e periódicos, contentam-se, convenientemente, em fazer apenas a pesquisa primária. 

Quem, que não possua o hábito da leitura,  já não ouviu que ler é chato, que dá sono, ou que dá dor de cabeça ? Ou ainda, que ler faz mal pois amolece o cérebro e confunde o raciocínio ?** Vamos ser sinceros, o brasileiro tem muito preconceito contra quem lê e contra a leitura em si. Pessoas que lêem são vistas como estranhas, desinteressantes e maçantes. O que é curioso neste raciocínio (se que dá para chamar de raciocínio)  é que ele inverte radicalmente os valores. Uma pessoa que lê é considera menos interessante do que a não-leitora. Então vejamos, quer dizer que uma pessoa que tem em seu repertório não mais do quatro ou cinco assuntos de seu cotidiano (futebol, loteria, cerveja, trabalho e talvez um interesse ou passatempo) é mais interessante do que outra que entrou em contato com diversos assuntos e com variados enfoques ? Ora, ler é conhecer, e quanto mais a pessoa conhece, mais ela tem para oferecer a si e aos demais. Nós invertemos, entretanto,  o argumento para se acomodar ao nosso preconceito contrário ao hábito de ler. 


Outro fato preocupante, a falta da leitura encontra-se em todas as classes sociais. Não é verdade que pessoas com alta renda possuam o gosto de ler em percentuais significativamente maiores do que aqueles que de origem humilde. Não encontrei dados sobre renda e hábito de leitura em nenhuma pesquisa, mas existe uma forma indireta de medí-la: entre as pessoas com nível superior completo, e que apesar de todos os avanços no acesso a universidade, ainda é basicamente formado por pessoas de renda mais alta, 57% afirmam gostar de ler***. O que, de cara, serve para rechaçar o argumento do preço dos livros como empecilho para que se adquira o hábito de ler. A mediocridade é bem distribuída entre as classes sociais. Nossa "elite" econômica, gosta de luxo, mas não de intelecto. 

Por fim, mas muito longe de querer esgotar tão vasto assunto, há também a questão da ausência de uma visão da leitura como algo de valor intrínseco. É mais ou menos assim: "leio este livro, e daí ? o que faço depois com o que li ?". Se quisermos ser tão utilitaristas, está pergunta, na verdade, pode ser feita sobre quase tudo. "Paguei ingresso. Assisti um show que acabou. E agora, o que faço com  o que ouvi ?". "Vi um filme no cinema.  Pra que me servirá ?"
De minha parte acredito que a leitura é um meio de experimentar outras vivências. É conhecer sem ter que pagar pelos custos de adquirir o conhecimento. É se identificar com pessoas que nunca conhecerei pessoalmente. É uma maneira de formar uma comunidade de espíritos. Basta ? 

Para acessar a pesquisa completa do Instituto Pró-Livros/IBOPE em 2016:

http://prolivro.org.br/home/images/2016/Pesquisa_Retratos_da_Leitura_no_Brasil_-_2015.pdf




* Um exemplo muito citado diz respeito ao maior problema ambiental do Brasil no momento, a falta de coleta e tratamento dos esgotos residências e industriais. Mais de 50% das residências e industrias não têm o seu esgoto coletado. Apenas 40% do esgoto no Brasil é tratado. Por que isto ocorre ? Parte porque as prefeituras não querem se responsabilizar pela construção de estruturas de coleta e  de tratamento. As obras trazem muitos transtornos para as cidades. Dificultam a vida da população enquanto executadas. Por outro lado, por serem subterrâneas em sua maioria, as obras não trazem dividendos eleitorais. A população remunerará mal em termos políticos o prefeito que tentar viabilizar a coleta e tratamento de esgotos em sua cidade. Logo, nenhuma administração local deseja fazê-las.  Parece óbvio, não é ?

** Nunca esqueço de citar o exemplo de Florestan Fernandes, um dos mais importantes sociólogos brasileiros. Ele, que veio de classe social humilde, cedo se interessou pela leitura. É conhecido o fato de ele teve que enfrentar o preconceito de seus amigos e da própria mãe quanto ao seu hábito de ler. 

*** Retratos da Leitura no Brasil, 4 edição. Instituto Pró-Livros/IBOPE, 2016. A pesquisa meritória pelo aspecto de levantar dados sobre uma questão em que tradicionalmente temos poucas informações, carece de melhor qualificação sobre o que se entende sobre ser leitor ou não. Ler um livro a cada três meses, no todo ou em parte, não faz de ninguém um leitor. A leitura de 4 livros por ano está abaixo da média nacional que é de 5 livros por ano/per capita. Por outro, o estudo não adentrou na questão qualitativa da leitura em momento nenhum. Alguém dizer que gosta de ler e citar a Bíblia como leitura, ou que leu 4 livros por ano,  sem entrar na discussão de mérito sobre o que foi lido, pouca ajuda na elaboração de políticas públicas para o setor. 

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Stoner de John Williams

Ontem terminei de ler Stoner, livro de autoria de John Williams. Sem dúvida, foi o melhor livro que li  este ano. 
Seu lançamento se deu em 1965. À época conseguiu um pequeno sucesso em vendas, mas logo foi esquecido.  Dada a qualidade do texto, tal olvidamento chega a ser inusitado. 




A história narrada em Stoner é prosaica.  Williams usa de linguagem simples, direta, sem poesia ou ornamentação para contá-la.  Stoner é um homem de origem humilde, que se gradua na universidade, começa a dar aulas, se casa, tem uma filha, desfruta de uma amor extra-conjugal e envelhece. Nada mais. A maneira, porém, como esta história simples é contada, nada tem de banal. Williams consegue nos prender à leitura de seu livro desde o início. Talvez a empatia que nos acomete em relação ao personagem principal desde logo, não permite que abandonemos facilmente a leitura. 
Por conta de abordar experiências bastante comuns pelas quais todos nós, de uma forma ou de outra, já passamos (relação com os pais, mudança de vida, amor, dedicação, casamento, vida profissional, paternidade e morte), a história de Stoner nos toca imediatamente. 
A narrativa nos é apresentada em terceira pessoa ao longo de todo texto.  

O livro começa com Stoner menino na pequena fazenda dos pais. A vida é dura e sem luxos para os três (Stoner é filho único). O pai de Stoner decide enviá-lo à universidade para estudar. ele deseja que o filho se forme em ciências agrárias, talvez com a esperança que o filho possa ter uma vida melhor e que ainda possa ajudá-los na fazenda futuramente.
As coisas não se sucedem como esperado. Stoner cedo descobre seu encanto pela literatura. Ele decide, então,  abandonar a idéia de se formar em ciências agrárias. 
Mais tarde, pouco antes de participar da cerimônia de sua graduação, Stoner conta a seus pais a verdade: ele não voltará à fazenda de  seus pais. Ele seguirá carreira acadêmica. Resignados, seus pais voltam para o campo.

O livro conta as várias tentativas de Stoner de buscar a completude da vida, seja no seu trabalho, seja na vida pessoal, e as diversas frustrações e sabotagens de que foi vítima, às vezes até de sim mesmo. Stoner não é um herói, é um homem comum. Ele tem seus momentos de alegria (não muitos),  de paixão pelo seu trabalho e por sua mulher (que logo se desfaz na percepção que o casamento foi um erro dada as diferenças de temperamento e valores de ambos). Contudo, ele também é uma pessoa extremamente passiva, raramente se rebela contra uma situação que lhe é imposta ou que lhe surge inesperadamente pela frente. Ele comete muitos erros de avaliação ao longo da vida. Em alguns momentos se acovarda, em outros é generoso, mas também se se encoleriza como ocorreu em sua relação profissional com um aluno seu. 

Porém, não é só ele que possui estas características de um personagem quase real em seus defeitos e virtudes. Quase todos os protagonistas de Williams possui componentes trágicos suficientes que os habilitariam a serem temas de outros romances.  Podemos citar aqui Edith, Lomax, Grace, Khaterine e, aquele que mais me intrigou, Charles Walker (aluno de Stoner).  

William construiu a narrativa com personagens tão complexos e humanos que nos é impossível simpatizar totalmente ou odiar na integralidade qualquer um deles. Eles se mostram frágeis, patéticos e indefesos em alguns momentos, e arrogantes, insensíveis e egoístas em outros. 

                                                                                     (John Williams)

Interessante é a solidão de todos os personagens durante todo o livro. Talvez com exceção dos pais de Stoner, que formam entre si um casal solidário e unido, os demais personagens são caracterizados por um estado permanente de afastamento social, incompatibilidades e isolamento. Mesmo nas reuniões de departamento e festas sociais, é possível sentir que eles se movem em  contextos em que não se sentem à vontade. Eles pouco falam, pouco dizem e sempre procuram uma fuga para sair de um conversa que se prolonga excessivamente. 
Talvez Williams tenha jogado bastante luz sobre a questão da hipocrisia social e das obrigações que nos são impostas por vivermos em sociedade. 

Por fim, creio que livro  por intermédio de uma história de vida banal, cheia de desapontamentos, fracassos e projetos abordados, nos faz a pensar sobre a brevidade e o significado das lutas e sacrifícios que fazemos ao longo da vida. O quanto apostamos em coisas que depois descobrimos sem importância, e o quanto abrimos mão de outras, que depois se revelam importantes ou fundamentais. 

É uma obra que vale a pena guardar para ler e reler. 






sexta-feira, 12 de agosto de 2016

I'd rather stay home

I used to travel frequently. Three or four times in a year. Not to mention the trips I undertook to nearby towns in the countryside. I really enjoyed some memorable journeys in my life. One of them, for example, when I was 20  I traveled through western Europe for 46 days with short money. 
As time went out, and I earned more money, I continue to travel as much as I could. Sometimes alone, sometimes with my youngest brother, a girlfriend or my second ex-wife. I can say I have travelled almost half of the world.


Three years ago, however, I started enjoying staying at home so much that I hardly think of going out. In fact, I don't think much about travelling anymore! Wandering around the planet is not something that attracts me for the time being. I suppose I will stay a long period of time at home, just because it is awesome. 

It is a voluntary seclusion. I have discovered so many things that please me at home like painting, drawing, writing, sleeping up late (mainly when I don't have to go to work the next day), and so on. 

Besides, going out is getting increasily expensive,  services remained at a poor level at most and outside home grew dangerous.  
Today I don't see myself going out to the cinema when I can stay home reading or playing my guitar. 
I prefer to wait until the film becomes available on the internet. I don't have to be the first to see the movie, do I ?

Possibly I may change my preferences again in the future. Or perhaps I will spend less time at home and more periods out. But, for the moment, I really appreciate staying at home !











domingo, 3 de julho de 2016

Diferença entre humor babaca e humor inteligente






Há pouco menos de um ano, um comediante que anda na moda, declarou em um blog de notícias fast-food, que "o machismo está ficando cada vez mais babaca" e que o papel do humor é, por meio da piada e da graça, mudar a sociedade, "varrendo"o que há de atrasado e conservador nela. A entrevista, tanto da parte do repórter, quanto da parte do entrevistado, é um exercício de egocentrismo e tentativa  de doutrinação travestida de boas intenções e aparente comportamento profissional ético. Quem quiser lê-la, eis a ligação: http://www.brasilpost.com.br/2015/11/19/gregorio-fala-sobre-machismo_n_8591488.html

Salta aos olhos o fato das perguntas serem longas e possuírem tantos apriorismos que fica claro que foram formuladas para permitir respostas combinadas, de maneira a deixar o entrevistado à vontade na autopromoção e na defesa da pureza de suas intenções frente a um mundo hostil, capitaneado pelo machismo e idéias ultrapassadas que se negam a morrer. 

O que se lê na entrevista é um amontoado de chavões e lugares-comuns do pensamento militante que se acredita portador da Verdade Libertadora. Lá está, por exemplo, na forma de exortações, a pretensão de monopolizar a preocupação social e o cuidado com as "minorias" que precisam ser defendidas.  


Não é sem surpresa também que as respostas sempre encerram narrativas em que o entrevistado está no centro dos fatos. Militantes portadores da Verdade são sempre egocêntricos. 

Bem, mas ao que vem tudo isto, afinal ?  Vem ao meu desejo de propor um bate-papo sobre o tema do humor e de seu papel em sociedades democráticas. Não desejo escrever nada de novo sobre a questão. Na verdade, esta controvérsia prescinde de meu amadorismo. Sou apenas um apreciador do humor bem-feito, fruto do trabalho de pessoas que dominam e possuem conhecimento em graus variados o seu ofício.  Sendo assim, escreverei como o leigo que sou.

O que me incomoda na entrevista, além do tom pretensamente moralista, é ler de alguém que exerce uma profissão que historicamente sempre foi perseguida em regimes não-democráticos, a defesa da catequese do outro. O humor, no sentido colocado pelo humorista, deve militar em prol de uma sociedade melhor, sem preconceitos, denunciando o que está errado e colocando-se ao lado dos "oprimidos" contra o "opressor" (no caso, mulheres e homens, respectivamente. Estes últimos imbuídos de valores cristãos)


Até um certo nível de generalidade estamos de acordo. Quem irá se opor a  um discurso que se coloca na luta por uma sociedade melhor e sem preconceitos ? Ninguém, me parece! O problema começa (como sempre) quando você esmiuça o discurso e perceber seus pressupostos não discutidos. 


Não se trata de negar ao humor a  possibilidade de denunciar por meio do riso   nossas incoerências e defasagens sociais . Mas qual o critério ? A subjetividade do humorista ? Suas preferências ideológicas pessoais ? Então fazer piada de valores ocidentais, masculinos e cristãos, demonstrando-os como opressores, fruto da ignorância, tudo bem ? Mas se for para fazer piada do feminismo ou da cultura do hip-hop, aí não ! O limite é a consciência social do humorista ?  A baliza são os grupos sociais que ele acolheu em sua convicção ? Ou será aquilo que lhe traz benefícios ? O cinismo de sua sensibilidade é flagrante. 

Deixemos claro desde o início, humor com agenda política, à serviço de objetivos ideológicos,  vira proselitismo. A entrevista toda é uma cartilha moralista bem-intencionada, mas não esconde sua contradição: a atividade humorística deve atender aos objetivos políticos visados pelo humorista. Caso contrário, é preconceito. O discurso  é hipócrita, o resultado é o humor babaca.

Mas o que é humor babaca afinal ? É toda forma de comicidade que busca ofender e desqualificar valores, pessoas e práticas, apelando para a caricaturização grosseira. Em outras palavras, é a aplicação da ridicularização a partir de esteriótipos no qual o alvo da piada, sente-se atacado e diminuído.

E o humor inteligente ? É aquele em que a pessoa ou grupo objeto da piada se reconhece na encenação ou narrativa. O caricaturado percebe semelhanças ou verdades na contradição exposta, não se sente ofendido e ri. De outro modo, é a piada de gordo que faz os gordos rirem; e a graça sobre o feminismo que faz as feministas abrirem um sorriso; e a encenação de uma história bíblica que faz os cristãos acharem motivos para rir. 

O que ocorre, infelizmente, é que no Brasil existe uma produção avassaladora de humor de mau gosto, humor babaca. Há um público ávido pela pilhéria, que apoia a retratação do outro da pior maneira possível e nas mais tenebrosas situações.  Tanto por necessidade de auto-afirmação, quanto por motivos de auto-identificação há pessoas dispostas a  pagar e bendizer o humor pouco inteligente. É por aí que ele sempre existiu entre nós.

Entre aqueles que promovem as piadas de portugueses, de loiras, de pobres, homossexuais e de nordestinos, e aqueles que pretendem ser éticos, fazendo jocosidade xumbrega apenas com "os opressores" e seus valores, a única diferença que vejo é que os últimos se arvoram inteligentes e vanguardistas. Os primeiros são covardes, bisonhos e preguiçosos, os últimos caem na canalhice por se utilizarem de preconceitos ideológicos e panfletagem para se promoverem. 


Saudade que tenho do humor engraçado e inteligente do Monty Python. Eles tiveram altos e baixos ao longo de suas carreiras enquanto grupo humorístico. Entretanto, nos apresentaram muita coisa fina, de bom gosto e realmente engraçada. Recordo em especial os filmes Em busca do Cálice Sagrado e O Sentido da Vida, muito embora A Vida de Brian seja quase sempre o mais lembrado. O grupo é muito citado como referência até hoje por muitos comediantes. Pois bem, não há em nenhum destes três filmes uma única cena que seja ofensiva ou grosseira a quem quer que seja. Mesmo um cristão (desde que não seja um radical) consegue assistir e rir ao longo de A Vida de Brian. A graça se dirige à nós, a nossa relação com às religiões; a nossa necessidade de crer mesmo que a narrativa bíblica não nos seja clara, pareça absurda ou contenha lacunas. 

Outro exemplo de humor inteligente era o realizado por Woody Allen (bom, pelo menos boa parte de sua carreira). Lembro-me em especial do personagem que Allen interpreta em Hannah e Suas Irmãs, um sujeito que desejava saber  a Verdade sobre a vida após a morte, e o sentido de nossas existências neste mundo.  Ao longo do filme o personagem troca de religiões todas as vezes que experimenta um revés em sua expectativas racionais de respostas. Em momento nenhum, entretanto, os valores religiosos foram apresentados de maneira depreciativa.  O cômico do filme está , na  busca por parte do personagem por verdades e conforto espiritual de modo atabalhoado; na contradição em procurar o espiritual a partir de conveniências consumistas típicas do domínio mercadológico. 

Agora, comparem isso com os vídeos do tal humorista do início do texto, em que a imagem de Jesus é vista na vagina de uma mulher, ou outro, no qual Jesus é chamado de vagabundo! Qual a graça ? É pura tentativa de polemizar. Das duas uma: ou é falta de talento (o que prefiro não acreditar), ou é talento sendo usado de maneira errada. Ambos denotam ausência de inteligência. 


Contudo, enquanto o dinheiro estiver fluindo na direção da conta corrente do comediante,  por que não ?  Como já escreveu alguém antes de mim: O Brasil esta a se tornar campo aberto para o cultivo da mistificação e do logro*


* Salvo engano a frase é de Ipojuca Pontes



segunda-feira, 27 de junho de 2016

Meu querido Bonner.



Não bastasse a perda da Brisa, agora foi Bonner que nos deixou.

Como eu gostava daquele cão! 

Ele teve provavelmente uma vida difícil na rua. 
Quando meu irmão o retirou dela, ele estava muito magro e cheio de bicheiras. Creio que não viveria mais de uma semana naquelas condições.

Após cinco meses em uma veterinária de confiança, conseguimos recuperá-lo por completo. Foi longo e demorado o tratamento, mas valeu a pena. 
Ele viveu conosco dezenove meses com muito conforto e amor. 

Era muito querido, apesar de ser rabugento com os demais cachorros (nunca os queria muito próximos a si. Provavelmente teve má experiência com outros cães na rua).  Com as pessoas que conhecia, entretanto, era sempre muito carinhoso. Gostava de deitar a cabeça em nosso colo e oferecer sua barriga e pescoço para carinho. Adorava tomar sol enquanto se espreguiçava na grama ou em cima de um cobertor. 




Infelizmente, a detecção do linfoma, há poucos dias, foi tardia. 
Viveu ainda treze dias em nosso meio, mas hoje ele partiu. Sem dúvida sua  idade deve ter contribuido para que a doença avançasse rapidamente. 

Sentiu dores apenas ontem e hoje à tarde. Contudo, já era claro que a quimioterapia não serviria mais para mantêm-lo com vida e em bem-estar. Tivemos que realizar a eutanásia no início da noite. Em poucos minutos ele partiu. Não sofreu muito, nem desnecessariamente. 

Ficou muita saudade e uma vontade de revê-lo mais uma vez em nossos pequenos passeios até o final da rua, que ele fazia sem coleira nem guia ao meu lado. Esses singelos momentos eram de muita alegria para ele. Agora vejo que eram também para mim!

                                                    Bonner (??/??/???? - 27/06/2016)


quarta-feira, 22 de junho de 2016

Não é misantropia. É vontade de estar só!

Em alguns momentos chego a acreditar ter me tornado um misantropo. Nada grave. Como sabemos misantropos não são psicopatas ou indivíduos com comportamento aberrante. Nada disso. Apenas preferem manter-se à margem de discussões e do contato social com a maioria das pessoas.

Na maior parte das vezes, entretanto, me imagino apenas como alguém que  prefere não estabelecer contatos superficiais, interesseiros e sem empatia. Talvez uma pessoa muito, muito seletiva no uso de seu tempo e de suas companhias. Não porque se imagine melhor que os demais, mas apenas porque, aqueles assuntos comumente debatidos pela maioria das pessoas (novela, futebol, carro, vida de alguém famoso ou uma narrativa de cunho egocêntrico), e que formam o caldo comum das conversas, não me interessam de forma alguma. 
Tudo bem, às vezes converso um pouco sobre futebol. Faço-o, porém, sem inspiração. 

Sou daqueles que nunca se chateiam  quando tem um encontro desmarcado, pois vejo ali a oportunidade de ficar mais tempo comigo mesmo. 
Sinto-me bem com o que tenho e com o que sou na maioria das situações. 

Aprecio ficar em casa. Se pudesse, ficaria dias sem sair de lá. Gosto muito de preparar um café com bolo para mim. Ajeitar a mesa e tomar o café lentamente. É claro que, se tiver um boa companhia nesta hora, a coisa ficaria ainda melhor. Ou ainda escolher um entre os trinta ou quarenta livros que estão na fila aguardando leitura. Daí, me acomodar na cadeira de balanço ou na poltrona e começar a leitura. Me levantar de vez em quando e ir até o quintal brincar com os cachorros. Voltar para o livro depois. 
Se é sábado à noite, peço uma pizza para meu deleite. Por fim, se for o caso, assisto um filme ou documentário na televisão ou, mais provável, em meu computador. 
Em casa posso fazer tudo isso sem ter que me envolver com o tumulto e o stress da cidade.  Tão  bom quanto isso, não custa quase nada em termos financeiros. 

Sozinho me sinto inteiro, sem ser pleno. Não há vazio. Quando, volta e meia,  sinto necessidade de conversar com alguém, envio um Whatsapp ou telefono para alguma das não mais do que sete pessoas, creio eu,  que fazem parte do meu mundo. Com elas converso demoradamente. Falo e ouço muito. Troco impressões. Tanto sugiro quanto sou aconselhado. Com a maioria delas ainda tenho a oportunidade de sair para almoçar ou tomar um café de vez em quando. É ótimo! 

Entretanto, o que me tira o equilíbrio e a seriedade são o palavrório, o egocentrismo e a jactância. Aborreço-me muito quando, alguém me toma como refém de suas necessidades de contar vantagem ou puxar conversa sem sentido. Você sabe, aquele instante em que alguém, sem a mínima noção, entra em seu espaço (ultrapassa a linha amarela) para dizer ou interpretar coisas que só lhe dizem respeito, são sem importância ou mesmo de mau-gosto. Céus, como tem gente assim no mundo!

Sei que no cotidiano muitas pessoas logo percebem que eu prefiro estar só, e me têm como metido ou auto-suficiente. Auto-suficiente ? jamais! Aprecio quem traz boa conversa e novas maneiras de ver e interpretar o mundo. Gosto de pessoas que sabem falar tanto quanto sabem ouvir. E com elas gosto de dividir meu tempo ao invés de estar só. Entretanto, me parece (posso estar errado nesta impressão) que a imensa maioria das pessoas possuem uma necessidade de estabelecer contato que eu não tenho. Ao tentarem se aproximar de alguma forma, tiram a conclusão de que sou metido.  Fazer o que ? Gosto de ficar só na maior parte do tempo. 

Há poucos dias tive uma excelente conversar com um senhor em um banco de praça. Ele cantarolava uma música que era a chamada de uma das rádios que escuto. Perguntei se ele ouvia a tal rádio, ele confirmou e conversamos mais de uma hora sobre programas de rádio e músicas. Foi um período da tarde agradável. 

Não, não sou misantropo. Só não gosto de conversa fiada.







terça-feira, 14 de junho de 2016

Brisa (?/05/2005 - 14/06/2016)

Era sem dúvida a mais brincalhona entre todos os cachorros que tínhamos. Sempre que nos distraíamos,  sorrateiramente se apoderava de algum objeto que carregávamos, geralmente nossos chinelos, e saía correndo com eles entre os dentes. Erguia a cabeça como em sinal de triunfo e desafio para nos mostrar que estava de posse de algo nosso. Era rápida. Ninguém conseguia pegá-la a menos que fôssemos em  dois e a cercássemos. 
Incontáveis vezes jardineiros tinham seus instrumentos de trabalho silenciosamente subtraídos, e quando o desatento sujeito se dava conta, lá estava ela com o rabo abanando e a cabeça erguida,  convidando-o a tentar a sorte. 

Entretanto, hoje à noite, Brisa nos deixou. Ela se foi há pouco, e já estamos imersos em enorme saudade. 

Espero que ela se encontre agora em local ainda melhor do que este onde estamos, e que saiba de alguma forma que é muito querida.  Neste lugar, desejo que os jardins sejam imensos, sempre verdes, que não lhe falte espaço para correr e objetos para se divertir.  Um dia destes, gostaria  de revê-la por lá. 

Até mai ver!