Aproveitei a tarde de hoje para terminar de ler o livro A Alquimia na Quitanda de Ferreira Gullar.
Minha sensação ao terminá-lo foi um misto de prazer e tristeza. Fiquei realmente triste ao chegar ao fim do livro. Quase que imediatamente reli três de suas crônicas para aliviar este sentimento.
O livro reúne alguns textos escritos por Gullar ao longo dos últimos anos no jornal Folha de São Paulo. Lendo-os temos acesso ao lado humano e benevolente do autor. Humano por ele nos apresentar algumas discussões caras a todos aqueles que habitam este pequeno planeta, e que, de vez em quando, não se furtam a meditar sobre suas experiências de vida.
Benevolente por conta de ter sempre uma interpretação, senão otimista, pelo menos irônica sobre os fatos que experimentou ou viu.
Assim ficamos sabendo que Gullar, da mesma forma que seus companheiros de prisão, foram capazes de rir de alguns episódios ocorridos com eles à época da ditadura militar. Cito, por exemplo, o final de uma crônica no qual ele relata que um oficial do exército que foi prendê-lo em seu apartamento, confiscou escritos seus sobre arte somente porque no título estava estampando a palavra "cubismo".
Em outros momentos, Gullar nos fala de seu tempo no exílio, sua saudade do Brasil; os amigos que fez, e nunca mais viu e até de uma amor que teve em Moscou, e que por lá ficou. Fala também de sua decepção com o comunismo e do papel do crítico de arte, jornalista e poeta na sociedade.
Há mesmo algumas implicâncias do autor, como no caso dos usos da linguagem escrita e falada nos dias atuais. A ausência de parâmetros para julgar o uso correto ou não da língua por conta da dominância do politicamente correto é tema de pelo menos duas de suas crônicas.
Nos tempos em que vivemos, com MMA, Big Brother, Revista Caras, narcisismos, marketing pessoal, pessoas que vendem felicidade, são "bem informadas" e "bem-resolvidas", ler Ferreira Gullar, é um alívio. Ele nos traz de volta à dimensão do humano; seres imperfeitos, inseguros e cheios de manias e preferências (muitas delas irracionais e não totalmente justificáveis). Ler o poeta, jornalista, militante político e crítico de arte que viveu alguns dos momentos mais marcantes e expressivos de nosso país no século passado, e que participou de momentos importantes do cenário cultural brasileiro é gratificante. Ele reparte conosco suas impressões de vida de maneira singela, profunda e auto-crítica, em um exercício aberto e bem-humorado de erros e acertos. É, de certa forma, a expressão de uma sabedoria que não busca holofotes, nem unanimidade, mas apenas um momento para ser ouvido.
Retirado de: http://www.blogsoestado.com/marciohenrique/2015/03/20/ferreira-gullar-e-boliviano/