Benvindos!

A idéia de criar este espaço surgiu aos poucos. Nasceu da necessidade de expandir o grupo de pessoas com as quais me correspondo ou com as quais converso sobre temas de interesse em comum. Desejo que seja um lugar de troca de idéias e informações, mas , sobretudo, de boa conversa, democrática e sem preconceitos. Mais uma vez, benvindos.



quinta-feira, 9 de abril de 2015

Li ontem (08/04), em um grande jornal de circulação nacional a seguinte manchete: "Dólar recua com exterior, inflação e Temer na articulação política".

Para quem não sabe Temer (Michel Temer) é  vice-presidente da República, líder do partido com maior bancada no Congresso Nacional. Com a crise no governo federal, dada a inabilidade de nossa presidente em saber lidar e negociar com pessoas, Temer foi escolhido para a realizar a articulação do Palácio do Planalto com os partidos políticos e demais setores políticos.

Bom, dada a explicação, uma vez que a reportagem tem conteúdo e título datados (daqui há cinco ou seis anos ninguém se lembrará de Temer e da crise política atual), vamos ao que interessa.

Não é de hoje que, como indivíduo, tenho cada vez mais dificuldade em perceber sentido nas ações coletivas e na minha própria. A reportagem, apesar de prender-se ao episódico,  bateu fundo em minha percepção da falta de sentido da ação individual nos dias que correm.

A crise política e econômica está aí.  Que fiz eu para tê-la ? (desculpem-me se a narrativa se torna um tanto pessoal, mas não há nada de egocentrismo aqui.  Somente é meu estilo de escrever).
Que comportamento eu apresentei no passado recente que colaborou para desaguar neste  momento ?
Analiso, analiso e só consigo perceber a insignificância de minha existência. Nada, nada mesmo do que fiz ou poderia ter feito colaborou para a crise. Percebo também que nada, nada mesmo do que venha a fazer contribuirá para dela sairmos. É a questão de nossa alienação existencial.

Estou aqui, existo, mas parece que nada do que possa fazer ou pensar, enquanto indivíduo, alterará coisa alguma. Neste sentido, não faço diferença
Não se trata de querer mudar o mundo. Nada disso. Não acredito que meus valores ou práticas sirvam de modelo para balizar os comportamentos alheios. Longe de mim tamanha pretensão! Meus valores servem precariamente apenas em minha existência cotidiana (e quantas vezes não  percebi que eles não serviam ou não se aplicavam, hein ?).

O que me incomoda, porém, é não saber como me comportar de maneira a oferecer minha colaboração para o bem-estar social.
Na reportagem, leio, pela milésima vez, que um tal "mercado" tem muito mais força e poder de impor suas expectativas e comportamentos aos atores "politicamente relevantes", e a sociedade como um todo, do que qualquer grupo de cidadãos.

Voltando ao texto citado, ele apresenta índices de bolsas de valores que, sinceramente, nada me dizem (não sei como são formulados, nem quem os formula). No mesmo parágrafo a reportagem diz que "o investidor estrangeiro" (outro sujeito desconhecido) melhorou de "humor" e voltou a comprar "papéis".  Nunca me senti tão amesquinhado em minha existência. Alguém, que não sei quem é, mas que está hoje de bom humor (ufa!) comprou uns "papéis" e que isto foi bom para todos nós.

No parágrafo seguinte o(a) repórter nos diz que o  senhor "mercado" vê com expectativas positivas a indicação de Michel Temer para a articulação política do governo e que espera que tais ou quais medidas econômicas sejam contempladas pelo governo e congresso.
E minha opinião como eleitor ? Vale alguma coisa ? Por que este senhor, cujas credencias são, no mínimo, duvidosas, foi escolhido para esta função ? O que foi negociado ? Não sei!

Para finalizar, e levando a discussão mais para longe de nossa capacidade de influência, o texto fecha com  a constatação de que a moeda americana se enfraquece por conta do tal mercado estar ansioso sobre documento a ser produzido pelo Federal Reserve (o Banco Central estadunidense). Tá, legal, mas  o que isto tem a ver conosco ? A reportagem não esclarece, ou por não saber, ou por achar óbvio demais esclarecer este ponto.

A reportagem é um primor de notícia que não vira informação.

Reportagens como esta, com textos nada esclarecedores, que visam apenas dizer o que está acontecendo, mas que nada explicam, são produzidos todos os dias as dezenas, talvez as centenas, nos meios de comunicação. É como se nos falassem, de maneira autoritária e sem nenhuma didática, como as coisas são. Como são decididas questões que nos afetam, mas que ninguém busca nos explicar do porquê foram feitas ou decididas daquele jeito ou se não haveriam escolhas alternativas. Penso até que esta seja a forma hegemônica de se fazer jornalismo hoje. Na verdade ele busca esconder um compromisso ao mesmo tempo em que busca construir um consenso.  Ele apresenta o mundo como um lugar tomado de discussões extremamente complexas e, portanto,  incompreensíveis para a grande maioria das pessoas, mas que exigem decisões rápidas e certeiras. Por outro lado, podemos ficar tranqüilos, parecem nos sugerir os textos jornalísticos, a gestão de questões tão difíceis  é feita por pessoas capazes, sábias mesmo. Indivíduos, instituições e grupos que tratam delas para nós. Podemos nos voltar satisfeitos para nossas questões particulares e micro. As grande questões estão em boas mãos.

No âmbito da economia este discurso chega ao ponto de colocar a sociedade a serviço de compromissos econômicos, em uma total inversão de valores. Basta ver em que pé se encontra, há anos, o debate econômico. O pressuposto subjacente de que a economia é uma ciência que deve submeter os recalcitrantes à boa teoria está sempre presente, principalmente no  chamado pensamento liberal-econômico ou ortodoxo. Isto para não falar daqueles mais radicais, tomados pelo pensamento economicista, que entendem a economia como um conhecimento livre de preferências ideológicas e, portanto, objetivo*.





É uma aposta na cidadania passiva. Aquela que só se manifesta a cada período eleitoral, para formar quadros políticos legitimados por votos mais ou menos informados, e depois retorna a passividade.

Frente a isso o que resta ? A sensação de nulidade  do comportamento pessoal como fator de contribuição para a sociedade.
Talvez isto explique porque tanta desesperança e sentimento de frustração hoje em dia.  O porquê tanta atualmente hoje sonhe com ir morar no campo, onde  talvez a vida possa retornar minimamente ao nosso controle sob uma vida simples, sem tantas regras.





* Não só os economistas, muito embora sejam o exemplo mas óbvio deste autoritarismo que se apoia na passividade da maioria, supostamente ignorante. Temos os "especialistas em trânsito" que mudam a forma como nos deslocamos pela cidade sem nenhuma consideração por aqueles que, de fato se utilizam do transporte público. O Rio passa atualmente por esta experiência com a reformas que visam dar a cidade um trânsito "melhor". Uma das últimas  medidas para fazer o trânsito fluir mais rápido foi, imaginem, extinguir linhas de ônibus e retirar mais de setecentos deles de circulação somente na zona sul da cidade (ver jornal da GloboNews, 07/04/2015). Quem mora, ou conhece o Rio, sabe que o principal transporte utilizado pele população é o ônibus, e que retirá-los poderia até seria uma boa idéia, caso metrô e trens suprimissem a demanda, mas não é o caso. Não mesmo!
E os  nutricionistas ? Que viraram semi-deuses. Dizem o que devemos e o que não devemos comer. Fazem listas de "alimentos proibidos". A sociedade acompanha o pensamento da alimentação saudável, chegando ao cúmulo de rotular e caricaturar pessoas obesas como indivíduos de caráter fraco ou duvidoso. 
Há os especialistas em finanças pessoais (que te dizem o que fazer com o teu dinheiro), os especialistas em coaching, e por aí vai...
Com o reinado dos especialistas e consultores abrimos mão de sermos responsáveis pelas nossas vidas em uma o várias dimensões. Eles são o outro lado da moeda de uma vida regida por regras e expectativas que não criamos e cujos pressupostos e resultados ignoramos.







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