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A idéia de criar este espaço surgiu aos poucos. Nasceu da necessidade de expandir o grupo de pessoas com as quais me correspondo ou com as quais converso sobre temas de interesse em comum. Desejo que seja um lugar de troca de idéias e informações, mas , sobretudo, de boa conversa, democrática e sem preconceitos. Mais uma vez, benvindos.



domingo, 3 de julho de 2016

Diferença entre humor babaca e humor inteligente






Há pouco menos de um ano, um comediante que anda na moda, declarou em um blog de notícias fast-food, que "o machismo está ficando cada vez mais babaca" e que o papel do humor é, por meio da piada e da graça, mudar a sociedade, "varrendo"o que há de atrasado e conservador nela. A entrevista, tanto da parte do repórter, quanto da parte do entrevistado, é um exercício de egocentrismo e tentativa  de doutrinação travestida de boas intenções e aparente comportamento profissional ético. Quem quiser lê-la, eis a ligação: http://www.brasilpost.com.br/2015/11/19/gregorio-fala-sobre-machismo_n_8591488.html

Salta aos olhos o fato das perguntas serem longas e possuírem tantos apriorismos que fica claro que foram formuladas para permitir respostas combinadas, de maneira a deixar o entrevistado à vontade na autopromoção e na defesa da pureza de suas intenções frente a um mundo hostil, capitaneado pelo machismo e idéias ultrapassadas que se negam a morrer. 

O que se lê na entrevista é um amontoado de chavões e lugares-comuns do pensamento militante que se acredita portador da Verdade Libertadora. Lá está, por exemplo, na forma de exortações, a pretensão de monopolizar a preocupação social e o cuidado com as "minorias" que precisam ser defendidas.  


Não é sem surpresa também que as respostas sempre encerram narrativas em que o entrevistado está no centro dos fatos. Militantes portadores da Verdade são sempre egocêntricos. 

Bem, mas ao que vem tudo isto, afinal ?  Vem ao meu desejo de propor um bate-papo sobre o tema do humor e de seu papel em sociedades democráticas. Não desejo escrever nada de novo sobre a questão. Na verdade, esta controvérsia prescinde de meu amadorismo. Sou apenas um apreciador do humor bem-feito, fruto do trabalho de pessoas que dominam e possuem conhecimento em graus variados o seu ofício.  Sendo assim, escreverei como o leigo que sou.

O que me incomoda na entrevista, além do tom pretensamente moralista, é ler de alguém que exerce uma profissão que historicamente sempre foi perseguida em regimes não-democráticos, a defesa da catequese do outro. O humor, no sentido colocado pelo humorista, deve militar em prol de uma sociedade melhor, sem preconceitos, denunciando o que está errado e colocando-se ao lado dos "oprimidos" contra o "opressor" (no caso, mulheres e homens, respectivamente. Estes últimos imbuídos de valores cristãos)


Até um certo nível de generalidade estamos de acordo. Quem irá se opor a  um discurso que se coloca na luta por uma sociedade melhor e sem preconceitos ? Ninguém, me parece! O problema começa (como sempre) quando você esmiuça o discurso e perceber seus pressupostos não discutidos. 


Não se trata de negar ao humor a  possibilidade de denunciar por meio do riso   nossas incoerências e defasagens sociais . Mas qual o critério ? A subjetividade do humorista ? Suas preferências ideológicas pessoais ? Então fazer piada de valores ocidentais, masculinos e cristãos, demonstrando-os como opressores, fruto da ignorância, tudo bem ? Mas se for para fazer piada do feminismo ou da cultura do hip-hop, aí não ! O limite é a consciência social do humorista ?  A baliza são os grupos sociais que ele acolheu em sua convicção ? Ou será aquilo que lhe traz benefícios ? O cinismo de sua sensibilidade é flagrante. 

Deixemos claro desde o início, humor com agenda política, à serviço de objetivos ideológicos,  vira proselitismo. A entrevista toda é uma cartilha moralista bem-intencionada, mas não esconde sua contradição: a atividade humorística deve atender aos objetivos políticos visados pelo humorista. Caso contrário, é preconceito. O discurso  é hipócrita, o resultado é o humor babaca.

Mas o que é humor babaca afinal ? É toda forma de comicidade que busca ofender e desqualificar valores, pessoas e práticas, apelando para a caricaturização grosseira. Em outras palavras, é a aplicação da ridicularização a partir de esteriótipos no qual o alvo da piada, sente-se atacado e diminuído.

E o humor inteligente ? É aquele em que a pessoa ou grupo objeto da piada se reconhece na encenação ou narrativa. O caricaturado percebe semelhanças ou verdades na contradição exposta, não se sente ofendido e ri. De outro modo, é a piada de gordo que faz os gordos rirem; e a graça sobre o feminismo que faz as feministas abrirem um sorriso; e a encenação de uma história bíblica que faz os cristãos acharem motivos para rir. 

O que ocorre, infelizmente, é que no Brasil existe uma produção avassaladora de humor de mau gosto, humor babaca. Há um público ávido pela pilhéria, que apoia a retratação do outro da pior maneira possível e nas mais tenebrosas situações.  Tanto por necessidade de auto-afirmação, quanto por motivos de auto-identificação há pessoas dispostas a  pagar e bendizer o humor pouco inteligente. É por aí que ele sempre existiu entre nós.

Entre aqueles que promovem as piadas de portugueses, de loiras, de pobres, homossexuais e de nordestinos, e aqueles que pretendem ser éticos, fazendo jocosidade xumbrega apenas com "os opressores" e seus valores, a única diferença que vejo é que os últimos se arvoram inteligentes e vanguardistas. Os primeiros são covardes, bisonhos e preguiçosos, os últimos caem na canalhice por se utilizarem de preconceitos ideológicos e panfletagem para se promoverem. 


Saudade que tenho do humor engraçado e inteligente do Monty Python. Eles tiveram altos e baixos ao longo de suas carreiras enquanto grupo humorístico. Entretanto, nos apresentaram muita coisa fina, de bom gosto e realmente engraçada. Recordo em especial os filmes Em busca do Cálice Sagrado e O Sentido da Vida, muito embora A Vida de Brian seja quase sempre o mais lembrado. O grupo é muito citado como referência até hoje por muitos comediantes. Pois bem, não há em nenhum destes três filmes uma única cena que seja ofensiva ou grosseira a quem quer que seja. Mesmo um cristão (desde que não seja um radical) consegue assistir e rir ao longo de A Vida de Brian. A graça se dirige à nós, a nossa relação com às religiões; a nossa necessidade de crer mesmo que a narrativa bíblica não nos seja clara, pareça absurda ou contenha lacunas. 

Outro exemplo de humor inteligente era o realizado por Woody Allen (bom, pelo menos boa parte de sua carreira). Lembro-me em especial do personagem que Allen interpreta em Hannah e Suas Irmãs, um sujeito que desejava saber  a Verdade sobre a vida após a morte, e o sentido de nossas existências neste mundo.  Ao longo do filme o personagem troca de religiões todas as vezes que experimenta um revés em sua expectativas racionais de respostas. Em momento nenhum, entretanto, os valores religiosos foram apresentados de maneira depreciativa.  O cômico do filme está , na  busca por parte do personagem por verdades e conforto espiritual de modo atabalhoado; na contradição em procurar o espiritual a partir de conveniências consumistas típicas do domínio mercadológico. 

Agora, comparem isso com os vídeos do tal humorista do início do texto, em que a imagem de Jesus é vista na vagina de uma mulher, ou outro, no qual Jesus é chamado de vagabundo! Qual a graça ? É pura tentativa de polemizar. Das duas uma: ou é falta de talento (o que prefiro não acreditar), ou é talento sendo usado de maneira errada. Ambos denotam ausência de inteligência. 


Contudo, enquanto o dinheiro estiver fluindo na direção da conta corrente do comediante,  por que não ?  Como já escreveu alguém antes de mim: O Brasil esta a se tornar campo aberto para o cultivo da mistificação e do logro*


* Salvo engano a frase é de Ipojuca Pontes