Benvindos!

A idéia de criar este espaço surgiu aos poucos. Nasceu da necessidade de expandir o grupo de pessoas com as quais me correspondo ou com as quais converso sobre temas de interesse em comum. Desejo que seja um lugar de troca de idéias e informações, mas , sobretudo, de boa conversa, democrática e sem preconceitos. Mais uma vez, benvindos.



domingo, 27 de novembro de 2016

Meus filmes inesquecíveis.

Estou muito longe de ser um cinéfilo. Até costumava ir ao cinema com alguma freqüência no início e meados dos anos 90, mas por diversos fatores e mesmo ritmo de vida, tornei-me cada vez menos assíduo nas salas de projeção.
Isto não quer dizer que parei de assistir filmes de todo. Apenas, por questões de comodidade, prefiro vê-los na tela de meu computador em casa.
Tenho uma preferência por temas e não por diretores. Gosto de filmes com fundo histórico realista (ou pelo menos o mais realista possível).
Fiz uma pequena lista de alguns que me surgem sempre à mente. Eles não estão em ordem de preferência nem cronológica. Entre eles há pelo menos um que, até onde sei, não possuí título em português.  


1. Ran (Akira Kurosawa)



Considerada a obra-prima de Kurosawa, baseia-se no conto Rei Lear de Shakespeare (de quem Kurosawa se dizia fiel admirador). Não bastasse o excelente roteiro, a fotografia é belíssima. Destaque para as atuações de Tatsuma Nakadai e Mieko  Harada. 

2. Quanto mais Quente Melhor (Billy Wilder)


Para muitos, a melhor comédia já produzida para o cinema. Com belas atuações de Marilyn Monroe Jack Lemon e Tony Curtis (principalmente do dois últimos), o filme foi sucesso logo de cara. As situações farsescas e improváveis tornam este filme inesquecível.

3. Os que Sabem Morrer (Anthony Mann)



Atravessar o território inimigo em meio a conflitos internos de personalidade que dividem o grupo, eis o tema de Os que Sabem Morrer. A ação se passa na Coréia quando um oficial do exército dos Estados Unidos tenta salvar seus homens, e a si mesmo, em meio as tropas inimigas que os cercam.

4. Excalibur (John Boorman)



Trata-se do filme produzido e lançado em 1981, dirigido por John Boorman. Um de meus preferidos entre os preferidos. A trilha sonora junto com a fotografia tornam a narrativa desta velha e conhecida história algo valioso de se ver. A cena de Merlin recebendo Excalibur da Dama do Lago ao som da Marcha Fúnebre de Siegfried, logo em uma das primeiras cenas do filme, é impressionate.

5. A Cruz de Ferro (Sam Peckinpah)



Eu facilmente apontaria A Cruz de Ferro como o melhor filme de guerra que já vi. Muito embora todas as atuações sejam dignas de nota, a atuação de James Coburn e Maximillian Schell são espetaculares. O filme conta a  história de um capitão do exército alemão em busca de sua cobiçada cruz de ferro, e o que ele faz para conseguí-la.  O filme, contudo,  também fala de amizade, dever e companheirismo em tempos difíceis. O final é surpreende.


6.  Barravento (Glauber Rocha)



Quando se pensa Glauber Rocha, Deus e o Diabo na Terra do Sol é o primeiro filme que vem à cabeça.  Barravento, contudo, não lhe é menor. 
A narrativa se passa em uma aldeia de pescadores que vivem de acordo com as tradições herdadas de seus antepassados. Logo, porém, fica claro que, muito embora resistam,  o progresso e o crescimento econômico irão alterar seu modo de vida. Firmino, um membro da comunidade que foi viver na cidade grande e voltou anos depois, tem muito claro para si que aquele estilo de vida está condenado. Ele, no entanto, é mal visto pelos demais.  Ele decide  então, atacar as tradições do grupo por meio de um golpe audaz. 

7. Kagemusha, a Sombra do Samurai (Akira Kurosawa)


Outro grande filme de Kurosawa. Três senhores feudais disputam o poder durante o período das guerras civis no Japão: Shingen Takeda, Nobunaga Oda e Ieyasu Tokugawa. Logo nos primeiros diálogos do filme, Takeda revela sua disposição de sacrificar a tudo e todos para levar o Japão à paz. Para tanto, ele acredita que somente ele é capaz de fazê-lo. É um homem imbuído de virtú para agir e  conquistar o poder. Entretanto, as coisa se subvertem quase que totalmente quando, ao assediar um castelo inimigo, Takeda é mortalmente ferido. Ele é substituído por um sósia que nem de longe possui seus talentos. 


8. Em Busca do Cálice Sagrado (Monty Python)



Este é um daqueles filmes que não apenas não cansa rever, como sempre descobrimos algo novo e engraçado e que havia nos passado desapercebido. É também de um tipo de humor que muitos tentam imitar, mas poucos conseguem.  A saga do rei Arthur e seus cavaleiros em busca do Graal já foi abordada de diversas formas e com variações mais ou menos heterodoxas em relação a narrativa original (se é que existe uma). Monty Python põe à disposição sua fina e inteligente ironia para criar sua versão da lenda. 
Para preencher seu tempo ocioso, Arthur reune um grupo de paladinos na busca do cálice sagrado da última ceia de Cristo. Muitos risos e trapalhadas os esperam pelo caminho. 

9. Com Sangue se Escreve a História (Abel Gance)


Acredito que este filme não é muito conhecido ou, se o é, é pouco comentado. Trata-se da reconstituição das semanas que antecederam a batalha de Austerlitz. O filme enfoca em um primeiro momento a vida na corte de Napoleão, suas relações tumultuadas com seus irmãos, esposa, generais, ministros e cortesãos.A segunda parte ilustra os preparativos para a batalha.  Seu roteiro bem estruturado e as interpretações de Pierre Mondy, Claudia Cardinale e outros tantos fazem este filme de quase três horas transcorrer como sem nos darmos conta do tempo. Ah! Jack Palance também está no elenco, assim como Orson Welles em uma pequena ponta. 


10.  Blade Runner (Ridley Scott)


Uma vez alguém me censurou por eu ter escolhido Blade Runner como meu filme preferido. Alegou que haviam filmes bem melhores e citou alguns. Filmes melhores no sentido cinematográfico ? Como meio de expressão ? É possível, mas a pergunta que me foi feita era: Qual seu filme preferido ?  Não pestanejei. Tratava-se de uma escolha pessoal, então.  Não há um filme no qual a afinidade entre  temática e abordagem  tenham me impressionado mais. Há  ali um casamento perfeito entre ambas.  
Dito isto, não canso de rever este filme. A fotografia é fora de série, a trilha sonora é espetacular, a ambientação das personagens é perfeita. Harrison Ford está em sua melhor forma e Sean Young estava belíssima na oportunidade. O que mais precisa ?


11.  Adeus Minha Concubina (Chen Kaige)


Por meio da história da relação de dois amigos desde a infância, amantes do teatro e artistas de um grupo de encenação, a película nos mostra um pouco da história da China durante o século XX.  O filme em si fala de muitas coisas: amizade, amor pelo teatro, fidelidade e da relação entre arte e política. 
Depois da invasão japonesa da China em 1937, os amigos Xiagolou e Dieyi, treinados e educados desde a infância para serem atores, são obrigados a encenarem para oficiais japoneses. Tal atividade lhes traz problemas junto a seus compatriotas que os olham com desconfiança. Anos mais tarde, sob a Revolução Cultural os amigos são forçados, juntamente com os demais membros de seu grupo teatral,  a "revelarem" seus crimes burgueses e denunciarem uns aos outros frente a uma multidão hostil. É uma das cenas mais fortes e interessantes do filme. Além de ressaltar a interpretação dos atores Leslie Cheung e Zhang  Fengyi, cabe chamar a atenção para a sempre extraordinária Gong Li. 

12.  A Liberdade é Azul (Krzysztof Kieslowski)



Quando assisti pela primeira vez a trilogia das cores (como ficou conhecida aqui no Brasil) de Krzysztof, por volta de 1996, lembro que dos três filmes, A Fraternidade é Vermelha havia sido o que mais havia gostado. 
Anos depois, ao revê-los, passei a apreciar A Liberdade é Azul com mais simpatia. 
A questão da fraternidade e empatia entre as pessoas, abordada no terceiro filme da trilogia,  me parecia de início mais próxima a minha forma de pensar as relações humanas, com o tempo cedeu espaço para a da busca da autonomia, independência e das escolhas pessoais.  A trilha sonora encaixa muito bem com a narrativa e é uma das marcas do filme, além é claro, de Juliette Binoche.  


13.  Júlio Cesar (Joseph L. Mankiewicz)


A escolha deste filme me foi difícil. Não pela sua falta de méritos. Com texto de Shakespeare, e Marlon Brando no papel de Marco Antonio ,  James Manson como Brutus e Debora Kerr  interpretando Portia (esposa de Brutus) dificilmente um filme deixará de ter muitas virtudes. A questão é que há outro filme com o mesmo nome (de 1970), dirigido por Stuart Burge, com Charlton Heston, Jason Robards e excelente interpretação de Richard Johnson no papel de Cassius, que não lhe fica atrás. Na verdade, acho que para ser justo deveria colocar os dois filmes aqui. 
Talvez eu coloque o filme dirigido por Mankiecwicz em primeiro por uma preferência pessoal, e, portanto, discutível, pela fotografia. 
Falar de Shakespeare é chover no molhado, certo ? A história contada pelo autor inglês de Júlio César é instigante por pelo menos uma razão: a figura de Brutus passa por um releitura e nos é apresentada de uma forma virtuosa quando comparada a todos os demais personagens da narrativa. Ele é o único que age por um ideal coletivo: a salvação da república frente à tirania. Todos os demais, inclusive Julio César (que aparece muito pouco no filme e na peça teatral ) agem por motivos egoístas, mesquinhos e de vaidade, muito embora tentem disfarçá-los com discursos pomposos e de apelo populistas. Aliás, a cena de Marco Antônio falando a população de Roma após o assassinato de Júlio César denota bem o que Shakespeare pensava da política quando submetia aos humores da turba. 


14. Júlio César (Stuart Burge)


Não seria justo deixá-lo de fora da lista. A interpretação de Richard Johnson é valiosa. 


15. 2001 - Uma Odisséia no Espaço (Stanley Kubrick)




Tanto já se escreveu sobre 2001, que falar sobre o filme é repetir o que já foi dito muitas vezes por tantos quantos. Basta dizer que ele é considerado por muitos como o melhor filme de ficção-científica de todos os tempos. O filme em si é uma daquelas obras que não se exaure, não importa quantas vezes a tenhamos assistido. Ele nos fala da evolução da raça humana em nosso pequenino planeta, de seu futuro nos cosmos, de suas escolhas, e sobre seu fim. A trilha sonora   Danúbio Azul, de Johann Strauss II,  ficou para sempre associada as cenas de astronautas   e espaçonaves pelo vazio sideral. 


16.  Back to 1942 (Feng Xiaogang)



Província de Henan, centro da China, acidentes naturais, corrupção e guerra resultam em fome e morte de milhões de pessoas. Fan, um próspero comerciante perde tudo o que tem e parte com sua família em busca da sobrevivência em outras regiões do país. Para tanto, ele se junta a uma caravana de milhares de refugiados na tentativa de obter ajuda. Não só terá que enfrentar a hostilidade de muitos de seus concidadãos melhor afortunados, que não desejam receber os refugiados, como terá pela frente ainda funcionários corruptos e insensíveis. Fora isso, o Japão lança sua ofensiva para quebrar a resistência chinesa a seu avanço, e os refugiados estão no meio do caminho. 


17. Primavera, Verão, Outono e Inverno (Kim Ki-duk)



Um filme que fala de tentações, escolhas, auto-controle e expiação. Kim Ki-duk nos apresenta de maneira lírica  uma obra cheia de simbolismos. Um monge e seu discípulo moram isolados no meio de um lago. Por meio do trabalho, do exemplo mas também da penitência, o monge tenta ensinar a seu aluno os valores do comedimento e da constância. As estações se sucedem, da mesma maneira como o pequeno aprendiz muda. De uma criança travessa ele se transforma em um rapaz e finalmente em um homem. Ao conhecer pela primeira vez uma mulher, ele conhece o desejo, o sentimento de posse, o ciúme e o crime. Mais tarde, após expiar suas culpas,  tentará retomar o caminho  de seu mestre. 


18. As Damas do Bois de Boulogne (Robert Bresson) 


Hélene e Jean vivem uma relação aberta. Os dois mantém casos fortuitos sem que isto coloque em risco a ligação entre ambos. Um dia, porém, após muito insistir e mesmo dissimular um pouco caso, Hélene recebe de Jean a confissão de que entre eles há apenas uma amizade e que ele pede que ela  não considere mais a preferência que havia entre eles. 
Hélene finge concordar e o deixar ir, mas em seu íntimo se sente ultrajada e planeja uma vingança. Para isso, irá recorrer à Ágnes, uma jovem dançarina de cabaré que sonha se tornar bailarina clássica.


19. Três Homens em Conflito (Sergio Leone)



Nada melhor que assistir um faroeste durante às tardes de sábado. Se o filme for de Sergio Leone, melhor ainda. Três foras-da-lei buscam uma fortuna em ouro que fora roubado do exército Confederado. Os três tentam se eliminar o tempo inteiro enquanto buscam a riqueza. Em alguns poucos momentos pensam em juntar forças, mas todos sabem que aquilo não é para durar. 
A cena final do duelo entre os três no cemitério é bastante conhecida e foi posteriormente muito copiada.  
A trilha sonora a cargo de Ennio Morricone é inesquecível. 


20. Alexandria (Alejando Amenábar)



A ascenção do cristianismo não foi um caminho suave e sem lutas. A conversão se produziu de maneira mais ou menos rápida, mas com muitas perdas. O filme Alexandria (Ágora em espanhol) retrata o Império Romano decadente, incapaz de manter suas fronteiras e a paz interna entre seus súditos. Cristãos e helenista lutam pelo controle da sociedade. Em meio a tudo isto, Hipátia, filósofa e matemática, entra em choque com o crescente poder dos cristãos, que não vem com bons olhos o fato de uma mulher ensinar homens e realizar estudos sobre a ordem do cosmos. 
Excelente filme do jovem diretor Amenábar, que ainda dirigiu Mar Adentro, outro grande filme. 



21. Cidade de Deus (Fernando Meirelles)


A história é contada em flashback e em primeira pessoa por um morador do bairro chamado Buscapé. Em cena o início da construção da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro. O filme mostra como a população foi colocada naquela região, provinda de diversa áreas da cidade. Como eles foram, posteriormente, abandonados pelo poder público e tiveram que criar sua própria sociabilidade. 
O filme tem em alguns momentos um ritmo de videoclip, uma inovação no cinema brasileiro à época e que se casa muito bem com a narrativa. 








domingo, 20 de novembro de 2016

O hábito da leitura entre nós

Realizei pesquisa na internet sobre uma questão que volta e meia me surge: o tema da ausência do hábito de leitura entre nós brasileiros. 

O que está por trás desta curiosidade, que não é só minha, é a tentativa de responder a pergunta: afinal, por que o brasileiro lê pouco ? Ou ainda, por que não temos o hábito da leitura ?

Quero dizer logo de cara que não pretendo dar resposta definitiva e pronta a estas perguntas (quem sou eu para fazê-lo ?). 


Em primeiro lugar, é bom que se diga, e é um clichê dizê-lo, que o hábito de ler é fundamental para a melhoria da cidadania de qualquer povo e de suas condições de vida. Ao mesmo tempo, é bom ressaltar, ele não é de forma alguma uma panacéia para todos os problemas e nem garantia de um trilhar direto e reto à uma sociedade justa e livre de preconceitos. A última eleição presidencial nos Estados Unidos, turbinada por discursos apriorísticos,  e o ressurgimento do racismo e da xenofobia na Europa bem ilustram o que digo. Todas as realidades citadas se caracterizam, frente à nossa, por apresentar estatísticas de leitura bem mais sólidas.  
As sociedades árabes, por seu lado, têm uma longa tradição de cultura baseada na escrita e na leitura, e nem por isso se tornaram  exemplos a serem seguidos no século XXI em termos de bem-estar, direitos humanos, democracia e tolerância. 

Contudo, se é duvidoso que o apego a uma cultura letrada garanta acesso à modernidade, ao respeito e à tolerância; não ter as letras como valor certamente nos leva à sociedades menos condescendentes, mais violentas e ausentes de empatia. Eu não conheço nenhuma sociedade cuja cultura letrada seja pouco valorizada, que consiga garantir qualidade de vida a sua população. 

De retorno à nossa realidade, sempre me incomodei com  certos discursos e interpretações que apontavam a falta do hábito da leitura como conseqüência direta de governos pouco preocupados com a questão educacional e com a melhoria intelectual e cognitiva de nosso povo. Ou, quando não, pelo preço abusivo dos livros e a baixa renda do brasileiro como fatores limitantes.  

Culpa-se as autoridades municipais, estaduais e federais. Culpa-se o legislativo e o executivo também.  Esquecemos convenientemente, contudo,  que governo nenhum irá empreender esforço em adotar políticas, em qualquer área que seja,  sem que ele perceba uma razoável possibilidade de apoio  por parte da sociedade na empreitada*.
Desejar que governos se esforcem em executar algo que a sociedade não vê utilidade ou importância, é utopia!
Somente governos totalitários realizam políticas a despeito da opinião pública. Basta lembrar a coletivização forçada das propriedades rurais na URSS nos anos trinta do século passado ou a "Marcha para o Campo" de Pol Pot no Camboja na década de 70 também no século XX.

Fora isso, é sonho imaginar que em regimes democráticos ou mesmo autoritários de frágil apoio social, os governos irão realizar esforço em algo que conta com suporte apenas de uma minoria intelectualizada.
E o fato, por mais infeliz que seja reconhecê-lo, é que a sociedade brasileira não dá, ainda, a devida importância a educação e a leitura. Óbvio que se alguém perguntar na rua para um transeunte se ele(a) acha educação importante, ou se ele(a) acha ler um hábito positivo, sua resposta muito provavelmente será afirmativa. Isto porque educação é tida no discurso como algo positivo. Da mesma forma, existe um quase-consenso verbal de que a leitura é uma prática edificante que traz benefícios para quem lê. Bom, o problema é estes entendimentos só vão até aí. Eles não chegam ao mundo real. Se estes entendimentos fossem um livro, eles terminariam na contracapa. 

Dependendo do critério para a definição de quem é leitor ou não, podemos ter pelo menos quase 50% da população definida como não leitora. Pesquisa realizada pelo IBOPE a pedido do Instituto Pró-Livro em 2015, revelou que 56% da população era enquadrada como leitora a partir do critério de ter lido no todo ou em parte um livro nos últimos três meses. A pesquisa também revelou que o brasileiro lê em média 5 livros por ano entre didáticos e não-didáticos, sendo que apenas 2,43 foram lidos no todo e 2,53 em partes. Por fim, a pesquisa apontou  que 30% da população não comprou um único livro sequer no ano anterior. O estudo foi comentado no jornal O Estado de São Paulo do dia 18 de maio passado.

Com critérios tão generosos para categorizar quem é leitor ou não, fica claro que estamos mal na fita. Basta apertar um pouquinho os padrões de definição, e estes percentuais irão pender fortemente no sentido de mostrar que NÃO somos um país de leitores. 


Mais realista, eu diria, uma pesquisa apresentada no jornal O Globo do dia 31 de março passado trouxe matéria que revela que 70% da população não consultou ou abriu um livro sequer durante todo o ano de 2014. 

Alguns insistirão em culpar apenas os governos: estrutura tributária confusa que encarece livros que deveriam ser isentos de tributos; ausência de bibliotecas públicas em quantidade e qualidade, livros caros, baixa renda da população, e por aí vai.

Sem negá-las, acho, porém, que elas refletem uma parte do problema e vem embutidas da visão ideológica de que os governos (no sentido lato da palavra) são os responsáveis pelos nossos males e atrasos. Neste caso, porém, acho que o cerne do problema está na sociedade. 

Não há melhor lugar para aprender a gostar de ler do que a sala de casa.   O hábito da leitura nasce quase sempre no lar e não em espaços previamente preparados para receber leitores. Tenho a impressão que as bibliotecas públicas de cidades do interior e bairros afastados do centro devem viver vazias a maior parte do tempo por falta de leitores. A biblioteca de meu trabalho, por exemplo, que é no centro de uma capital, vive vazia. Às vezes eu entrava lá e os bibliotecários, que  já me conheciam, nem me davam mais  atenção. Eu percorria as estantes sozinhos em busca do que queria. Pois bem, esta biblioteca fechou para obras há alguns meses. Devido a escassez de verbas e problemas técnicos referentes a guarda do acervo, ela está fechada até hoje. Ela está há mais de um ano sem abrir.  Sem exagero, acho que só eu e os bibliotecários notamos o fato. O que quero dizer é que, não adianta, se não há habito de leitura adquirido em casa, as pessoas não se transformarão em leitores somente porque  espaços de leitura foram criados. 

Outra coisa, o argumento de que a internet esvaziou as bibliotecas é verdadeiro em parte. Nem tudo que está nos livros e periódicos está na rede. Desta forma,  a  internet serve  como uma fonte primária de consultas. Ele deveria incentivar  as pessoas a visitar as bibliotecas em busca de aprofundamento. Entretanto, muitos, por falta de costume de ir as bibliotecas e realizar um corpo-a-corpo com livros e periódicos, contentam-se, convenientemente, em fazer apenas a pesquisa primária. 

Quem, que não possua o hábito da leitura,  já não ouviu que ler é chato, que dá sono, ou que dá dor de cabeça ? Ou ainda, que ler faz mal pois amolece o cérebro e confunde o raciocínio ?** Vamos ser sinceros, o brasileiro tem muito preconceito contra quem lê e contra a leitura em si. Pessoas que lêem são vistas como estranhas, desinteressantes e maçantes. O que é curioso neste raciocínio (se que dá para chamar de raciocínio)  é que ele inverte radicalmente os valores. Uma pessoa que lê é considera menos interessante do que a não-leitora. Então vejamos, quer dizer que uma pessoa que tem em seu repertório não mais do quatro ou cinco assuntos de seu cotidiano (futebol, loteria, cerveja, trabalho e talvez um interesse ou passatempo) é mais interessante do que outra que entrou em contato com diversos assuntos e com variados enfoques ? Ora, ler é conhecer, e quanto mais a pessoa conhece, mais ela tem para oferecer a si e aos demais. Nós invertemos, entretanto,  o argumento para se acomodar ao nosso preconceito contrário ao hábito de ler. 


Outro fato preocupante, a falta da leitura encontra-se em todas as classes sociais. Não é verdade que pessoas com alta renda possuam o gosto de ler em percentuais significativamente maiores do que aqueles que de origem humilde. Não encontrei dados sobre renda e hábito de leitura em nenhuma pesquisa, mas existe uma forma indireta de medí-la: entre as pessoas com nível superior completo, e que apesar de todos os avanços no acesso a universidade, ainda é basicamente formado por pessoas de renda mais alta, 57% afirmam gostar de ler***. O que, de cara, serve para rechaçar o argumento do preço dos livros como empecilho para que se adquira o hábito de ler. A mediocridade é bem distribuída entre as classes sociais. Nossa "elite" econômica, gosta de luxo, mas não de intelecto. 

Por fim, mas muito longe de querer esgotar tão vasto assunto, há também a questão da ausência de uma visão da leitura como algo de valor intrínseco. É mais ou menos assim: "leio este livro, e daí ? o que faço depois com o que li ?". Se quisermos ser tão utilitaristas, está pergunta, na verdade, pode ser feita sobre quase tudo. "Paguei ingresso. Assisti um show que acabou. E agora, o que faço com  o que ouvi ?". "Vi um filme no cinema.  Pra que me servirá ?"
De minha parte acredito que a leitura é um meio de experimentar outras vivências. É conhecer sem ter que pagar pelos custos de adquirir o conhecimento. É se identificar com pessoas que nunca conhecerei pessoalmente. É uma maneira de formar uma comunidade de espíritos. Basta ? 

Para acessar a pesquisa completa do Instituto Pró-Livros/IBOPE em 2016:

http://prolivro.org.br/home/images/2016/Pesquisa_Retratos_da_Leitura_no_Brasil_-_2015.pdf




* Um exemplo muito citado diz respeito ao maior problema ambiental do Brasil no momento, a falta de coleta e tratamento dos esgotos residências e industriais. Mais de 50% das residências e industrias não têm o seu esgoto coletado. Apenas 40% do esgoto no Brasil é tratado. Por que isto ocorre ? Parte porque as prefeituras não querem se responsabilizar pela construção de estruturas de coleta e  de tratamento. As obras trazem muitos transtornos para as cidades. Dificultam a vida da população enquanto executadas. Por outro lado, por serem subterrâneas em sua maioria, as obras não trazem dividendos eleitorais. A população remunerará mal em termos políticos o prefeito que tentar viabilizar a coleta e tratamento de esgotos em sua cidade. Logo, nenhuma administração local deseja fazê-las.  Parece óbvio, não é ?

** Nunca esqueço de citar o exemplo de Florestan Fernandes, um dos mais importantes sociólogos brasileiros. Ele, que veio de classe social humilde, cedo se interessou pela leitura. É conhecido o fato de ele teve que enfrentar o preconceito de seus amigos e da própria mãe quanto ao seu hábito de ler. 

*** Retratos da Leitura no Brasil, 4 edição. Instituto Pró-Livros/IBOPE, 2016. A pesquisa meritória pelo aspecto de levantar dados sobre uma questão em que tradicionalmente temos poucas informações, carece de melhor qualificação sobre o que se entende sobre ser leitor ou não. Ler um livro a cada três meses, no todo ou em parte, não faz de ninguém um leitor. A leitura de 4 livros por ano está abaixo da média nacional que é de 5 livros por ano/per capita. Por outro, o estudo não adentrou na questão qualitativa da leitura em momento nenhum. Alguém dizer que gosta de ler e citar a Bíblia como leitura, ou que leu 4 livros por ano,  sem entrar na discussão de mérito sobre o que foi lido, pouca ajuda na elaboração de políticas públicas para o setor.